A guerra na Ucrânia, como todas as guerras, tem muito mais facetas para abordar e conhecer que aquelas que são habitualmente noticiadas; isso mesmo surgiu quando a versão europeia do POLITICO noticiou recentemente as dificuldades das cidades polacas na ajuda aos refugiados ucranianos, deixando bem claras as pressões a que estas se encontram sujeitas.
Pela cidade polaca de Rzeszów, a apenas 100 quilómetros da fronteira com a Ucrânia, já passaram cerca de 1 milhão de refugiados ucranianos (dos cerca de 3,2 milhões de ucranianos que fugiram para a Polónia) e mais de 100.000 deles lá se instalaram, o que elevou a sua população em mais de 50%; com o prolongamento do conflito, a cidade polaca confronta-se agora com os problemas inerentes ao alojamento a longo prazo desses recém-chegados. Embora a maioria dos refugiados se tenha dirigido a outras cidades na Polónia ou na UE, ou até já tenha regressado à Ucrânia, os que ficaram estão a aumentar a pressão sobre o reduzido mercado imobiliário local e sobre orçamentos locais apertados.
As principais cidades polacas têm registado súbitos aumentos na sua população – com crescimentos de 15% na capital, Varsóvia, 23% em Cracóvia e 34% em Gdansk – uma tendência que se deverá manter – a crer num inquérito recente (citado naquela notícia) segundo o qual 58% dos daqueles refugiados dizem que pretendem ficar enquanto a guerra continuar, enquanto 27% dizem que planeiam ficar para sempre – e estará a preocupar de sobremaneira o governo polaco, agora que a prometida confederação polaco-ucraniana começou a registar os primeiros revezes. É que após a euforia inicial personificada pelos presidentes dos dois países, o polaco Andrzej Duda e o ucraniano Volodymyr Zelensky, para anunciar uma espécie de mini-união económica entre um estado-membro da UE e um não membro, seguiu-se a rápida confirmação da mútua incapacidade para financiar aquela ideia, pouco restando depois de goradas as tentativas para sedear na Polónia os esforços da reconstrução ucraniana, a exigência dos lucros extraordinários do petróleo norueguês, enquanto os programas financeiros de ajuda à Polónia (recuperação da Covid e ajuda aos refugiados) continuam bloqueados à espera das reformas que reponham o estado de direito no país.
Tudo o que a Polónia e os seus vizinhos bálticos (Lituânia, Letónia e Estónia) têm vindo a pedir, como a ideia do reinvestimento dos activos russos bloqueados ao abrigo das sanções na reconstrução da Ucrânia (o que significaria na prática a subsidiação do plano de confederação polaco-ucraniana), tarda em ser aceite pelos seus aliados europeus como Varsóvia esperava; mesmo que, no todo ou em parte, isso ainda possa acontecer, como parecerem indiciar as posições da presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, a Polónia continua limitada e cada vez mais ciente que não pode continuar a financiar indefinidamente aquele projecto geopolítico e é por isso que de repente já se diz saturada de refugiados, e a cortar entregas gratuitas de combustível a Kiev.
A complicada situação geopolítica e geoeconómica na região – onde os nacionalismos fomentados na sequência da implosão da União Soviética padecem de insanáveis contradições (mas o presidente polaco, Andrzej Duda, critica Macron e Scholz por conversações com Putin) permanentemente insufladas por um neoliberalismo norte-americano que nunca se mostrou capaz de solucionar os seus próprios problemas internos (onde sobressaem o racismo alimentado por uma profunda indigência cultural e a dependência de uma economia de guerra), grande responsável ainda pelo processo de financeirização da produção que levou à transformação dos mais elementares bens essenciais em instrumentos de especulação financeira –, que terá contribuído para esta iniciativa de aproximação polaco-ucraniana, é mais um dado a considerar no “arrefecimento” do Grupo de Visegrado – constituído na última década do século XX por quatro países da Europa Central (Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia) para fins de cooperação e de integração na U.E. – acelerado pela divergência sobre as questões de democracia iliberal e do estado de direito, que a Hungria e a Polónia trouxeram para a agenda política europeia, e pelas acusações de maior ou menor proximidade com o Kremlin.
Enquanto crescem as mais variadas tensões no interior da U.E. e nas suas fronteiras, os meios de comunicação continuam a dar um relevo quase exclusivo à propaganda ucraniana, passando a encher horas de noticiários com o drama dos refugiados (depois de terem passado dois anos a encher os mesmos horários com os dramas da Covid-19) e mais recentemente com o aumento do custo de vida, mas silenciando a responsabilidade dos interesses financeiros que estiveram na génese do conflito e agora asseguram o agravamento dos seus efeitos.