A espuma esvoaça a tarde quente desta cidade adormecida no trânsito. Sinto o odor efémero das quimeras vendidas ao avulso pelos cantos perdidos do tempo, da noite que se espera descansada e nada, é tão cedo ainda que desespero pelo som dos abutres subindo penhascos verdes onde tudo está seco.
Nada me revolta a não ser ter de esperar pelo fim do dia. Pretendia sonhar um pouco mais depressa que o que me permite a idade, dizer que a idade para sonhar terminou, o tempo urge e nada mais há a fazer a não ser sentar-me diante de um mar que se espreme contra os meus pés descansados na areia que viaja sob as águas brancas.
Bebo algo descansado, a tarde paira ainda na silhueta breve da vida e a gente ali, observando distantes a solidão dos viajantes da vida enquanto for ainda tempo de reanimar os sargaços descalços.
As avenidas enchem-se cada vez mais de tantos que como eu desistem, descansam cansados de tanto esperar e nada os aborrece a não ser estarem já aborrecidos pelo vento que não chega, nada chega, nada, é como que olhar em frente e nada mais existir e o desespero inerte no alcatrão quente que arde como vómitos.
Voltando à espuma, esvoaça ainda, nada a convence a dissipar-se e a libertar-nos espaço para que possamos caminhar ainda que devagar, esquecer a pressa e seguir onde quem nos quer espera, nada ali é real, nada parece uma fotografia tirada do olimpo enquanto o encenador convence a peça, nada se converte em vida e tudo é hibrido, vazio de tanta rebelião a ocupar-nos o cérebro de vertigens onde que alucinações se cansem, nada viaja para dentro deste riacho de pedra a eclodir-se sozinho contra si mesmo, a gente espera impaciente e nada cansa, tudo é hábito, dizem, mas para que servem os exemplos quando o que se extrai dali é o que na verdade se vive?
Não existem poetas de rua, vêm-se apenas vértices a circular o hediondo, o trémulo do nada nas mãos de todos, a esperança esvaída nas ruas secas e o pó das estradas em nossas casas e ainda eu longe numa praia asiática sorvendo pensamento consumidos pela espera. Não sei se conseguirei como tantos esperar mais, não sei se aguentarei a vomitar tantas tardes sem descanso, mas sinto a brisa nascer de um canto qualquer iluminando-me a paciência, pois, é claro, sinto a falta dos poetas da rua contarem-me heresias de Camões, o grito afoito onde Gil Vicente sorria, a peça a iniciar-se e eu nada dali, nem um ramo de castos dançantes sobre as palmeiras adormecidas e tão cedo ainda, cedo para tudo, sabes?, é cedo para morrer e a gente a viver os percalços de passos titubeantes sobre a esfera adormecida da vida dos outros sobre nós mesmos.
Ter de esperar pelo fim do dia ali, onde fungos voam como goivos, onde plantas crescem como ciprestes azuis, como folhas de vinho numa taça dançante dominando-nos sem que sequer nos apercebamos. O velho da horta em mil quinhentos e doze e a gente sentados numa plateia de esperanças, vendo desmoronar-se o tédio enquanto tudo nos faça pensar com sagacidade o quanto vale seguir em frente, descer catacumbas de esperança ocupando a rampa numa velocidade de arrepiar, a escadas do meu quintal onde que praia as minhas ânsias, ler um jornal desfolhando cada página como se fosse a última!, recuando para perceber melhor a notícia, o poema envaidecendo-se a si mesmo numa rima de sonhos e de tempo sem tempo nenhum para o que quer que seja.
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