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João de Sousa

Segunda-feira, Novembro 4, 2024

Terror anti-português em Mato-Grosso

Uma página negra da história luso-brasileira.A matança teve início de 30 para 31 de Maio de 1834, assinalam-se agora 184 anos.

Ao soarem na torre sineira as primeiras badaladas da meia-noite na cidade de Cuiabá, capital de Mato-Grosso, um grupo de radicais nacionalistas – duas colunas de soldados e uma xusma de civis a pé e a cavalo – desencadeou uma perseguição assassina contra todos os portugueses de origem ali residentes.

Ouviu-se então – relata o historiador Estevão de Mendonça, em sua obra Datas Mato-grossenses – “tocar rebate de cornetas e caixas de guerra, tiros de arcabuzes, e gritos de morram os bicudos.”

“Bicudo” era o apelido depreciativo dado então aos portugueses que moravam na cidade, referência a Manuel de Campos Bicudo, bandeirante paulista português, primeiro homem branco a chegar à região do estado de Mato Grosso. onde fundou, pelo ano de 1673, o arraial de São Gonçalo – núcleo original da actual cidade de Cuiabá.

“Na escuridão da noite – prossegue Mendonça – apenas se ouviam barulhos de machados e alavancas arrombando as portas dos negociantes adotivos ali residentes”.

Foi uma chacina – as pessoas eram surpreendidas nas suas casas e mortas a tiro, à facada ou a golpes de espada, sem dó nem piedade.

Rodeado por prelados com tochas para alumiar o caminho, o bispo António dos Reis ainda saiu às ruas, de crucifixo em punho, apelando à calma e pedindo compaixão e misericórdia. Em vão. O terror estava instalado e nada conseguia deter a fúria criminosa.

Não se sabe ao certo quantas pessoas morreram – os números variam consoante as fontes e todos os documentos que se referiam ao acontecimento tiveram “sumiço quase total” – mas foram “em todo o caso, acima de cem”, havendo quem diga que teriam sido “400, se não mais”.

Pior ainda – chegou a haver, segundo o historiador brasileiro visconde Afonso de Taunay (“A Cidade do Ouro e das Ruínas” – 1891) casos de antropofagia!

O contexto era político – viviam-se momentos de grande instabilidade, D. Pedro havia abdicado a 7 de Abril e circulavam rumores de que estaria iminente uma conspiração sua para recuperar o trono. O alvo fácil eram portanto os portugueses desarmados que viviam na cidade, todos suspeitos de fazerem parte da suposta conspiração de que seriam os eventuais directos beneficiários.

Mas as razões reais eram mais terra a terra. De acordo com aquele historiador, além da luta política entre grupos rivais pelo controlo da região, o verdadeiro móbil pode ter sido a inveja e malquerença com que eram encarados os comerciantes portugueses bem sucedidos, cujas casas foram saqueadas no decorrer da carnificina, com a turba a locupletar-se.

No meio da tragédia, houve também gestos de solidariedade e humanidade – algumas pessoas distanciaram-se do horror e acolheram os fugitivos em suas casas, numa atitude de grande coragem e amor ao próximo. A antiga cidade de Villa Bella recusou-se inclusive a aderir à matança de Cuiabá, fazendo saber que “portugueses e adoptivos lá encontrariam amparo por todos os meios, até pelas armas.”

Definitivamente, a mesma etnia e a mesma língua não são garantes de entendimento e paz – podem até ser motivos suplementares para ódios acrescidos. Nada pior que uma luta fratricida. Como temos visto em conflitos recentes e como aconteceu, há 184 anos, em Cuiabá.

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