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Sábado, Dezembro 21, 2024

O terror em Londres e o Brasil

Urariano Mota, no Recife
Urariano Mota, no Recife
Escritor e colunista da Boitempo e do Direto da Redação. Colabora também com Vermelho, Carta Capital e Fórum.

No mais recente atentado terrorista em Londres, os jornais chamaram a atenção para uma importante autoridade policial, que dirige a segurança para os ingleses. As notícias falavam, sem atentar para o histórico da figura:

Cressida Dick, comissária da polícia de Londres, informou ao início da manhã deste domingo que o ataque em Londres fez sete vítimas mortais e feriu 48 pessoas. Os três atacantes foram abatidos e, nesta altura, a polícia acredita que a situação está “sob controlo”, mas as áreas afetadas vão continuar interditas e os agentes prosseguirão com as buscas para assegurar que a ameaça foi totalmente neutralizada”

Mas essa tal de Cressida Dick é velha conhecida do crime da polícia de Londres contra um brasileiro. Ela foi a policial que comandou a operação em que o brasileiro Jean Charles de Menezes, em julho de 2005, foi morto por engano por policiais em uma estação do metrô de Londres. Depois disso, Cressida Dick recebeu o grande prêmio de ser promovida em fevereiro deste 2017, ao ser  anunciada como a nova comandante da Scotland Yard. Salário? R$ 1 milhão de reais por ano, maior que o da primeira-ministra Theresa May.

Vale a pena recordar o motivo de Cressida Dick  ter assumido tão alto posto na polícia inglesa. Quero dizer: quando Jean Charles de Menezes foi executado, escrevei o texto Morrer por Engano, um título de cruel ironia, já se vê, que traduzido por Michael Mc Laughlin foi publicado no CounterPunch, sob o nome de To Die by Mistake.

No texto em português publicado no La Insignia, escrevi:

Há várias maneiras de morrer por engano. Todas contra a própria vontade… Mas poucas mortes de morrer por engano são tão cruéis e desprezíveis quanto o ser caçado como um cão. Como um cão, que digo?, caçado como uma raposa. Cercado, derrubado, imobilizado, e de olhos vítreos ver o brilho e a luz do tiro uma fração de segundo antes, antes que se lhe arrombe e arranque o cérebro.

O brasileiro, o cão, a raposa, esse animal híbrido, sem espécie e sem definida raça, de nome Jean Charles de Menezes morreu por engano assim, abatido com oito tiros. Morte dura e vil, que até a um cão, que até a uma raposa, que até a um coelho, seria prova de manifesta perversão e crueldade. Que dirá a um humano, perdão, súditos ingleses apavorados, que dirá a um ser assemelhado a humano? Ainda que seja natural de um país de samba e mulatas exóticas, boas para a cama e para o turismo, ainda assim, e apesar disso, será que esse inferior mereceria um fim de animal raivoso em Londres?

Nada de nacional, nada de nacionalismo, compreendam. Longe de nós a intenção de exigir, que digo, de reclamar, sorry, queremos dizer, de suplicar em voz baixa, humilde, um tratamento diferente para brasileiros. Até porque as primeiras notícias divulgaram que havia sido morto um asiático. Ah, bom, se é um asiático, o mundo não treme, suspiravam todos os nacionalismos de olhos bons, os do ocidente. Assim diziam porque o terrorista morto tinha uns olhinhos meio apertados, meio amendoados, que são um primeiro sinal de um mundo exótico, secundário, sem importância, para lá do Oriente. Depois, surprise, viram que do caldeirão de misturas do Brasil também se exportam bombas de olhinhos puxados, à chinesa, a povos indígenas da américa. Depois, shit, viram que no solo do metrô aquela massa inerte, antes alegre, que batia samba e sorria para as fotos da família, mamãe, venci na europa, depois viram que aquela mula sem cabeça nem mesmo era um terrorista. Sorry, what a pity, ladies, dogs and gentlemen.

Nada de nacionalismo. Sabemos todos que os ingleses não tratam assim a seus cachorros. Não existe no mundo povo que mais ame a esses pops, pups, todos, até prova em contrário, cachorrinhos animais de estimação. Que graça possuem a passear com os seus melhores amigos puxados por correntes nas ruas de Londres! Quanto amor, dizem até, os maldosos, quanto afeto dedicado a um semelhante. Não, a humanidade inglesa não trata assim a cachorros. Se existe uma voz de comando para matar, para atirar na cabeça de seres que se movem, essa ordem não será contra cães. É para algo muito baixo e nocivo, menos, muito menos que dogs, embora ande (simule andar), fale (simule a fala), pense (simule o pensar) e sorri (simule o sorrir). Um algo que o terror chama de terrorista. Ah, bom, sendo assim está certo. O terrorismo contra o terror. Ou o terror contra o terrorismo. Não se sabe. A ordem dos conceitos ainda não é certa.

Quando li o relato de uma testemunha do assassinato de Jean Charles, que compreendeu os olhos do homem imobilizado no chão, depois, pelas fotos…

‘Se você olhar as fotos, os olhos dele pareciam ser pequenos, mas, quando vi o rosto dele por apenas um segundo, porque foi tudo muito rápido, os olhos dele estavam bem, bem abertos. Ele parecia muito, muito assustado’.

Quando viu esse relato, meu estômago sentiu um soco. Os olhinhos pequenos que se abriam espantados, com uma pistola apontada contra a sua cabeça, eram os meus, os nossos, dos nossos filhos, irmãos, de todos os povos não britânicos. Os olhinhos asiáticos de todos nós, terroristas.”

O passado volta. Aprendi no trabalho literário que o passado não é morto, ele sempre volta, mesmo contra a nossa vontade. Aí está mais uma prova: comanda hoje a segurança de Londres, no mais alto posto, a policial Cressida Dick. A mesma que mandou atirar na cabeça de Jean Charles de Menezes. Tudo, claro, por engano, exceto a sua promoção e prêmio pelo crime contra um cão.

O Autor escreve em português do Brasil

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