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Sábado, Novembro 2, 2024

This is us, uma série pretensiosa e descuidada

Carolina Maria Ruy, em São Paulo
Carolina Maria Ruy, em São Paulo
Pesquisadora, coordenadora do Centro de Memória Sindical e jornalista do site Radio Peão Brasil. Escreveu o livro "O mundo do trabalho no cinema", editou o livro de fotos "Arte de Rua" e, em 2017, a revista sobre os 100 anos da Greve Geral de 1917

This Is Us começa bem. O capítulo 1 é cativante. A primeira temporada não decepciona. Olhando em retrospectiva, entretanto, vemos que o encanto inicial se deve muito ao encontro de Randall (Sterling K. Brown) e William (Ron Cephas Jones), criando um contraponto à típica família pequeno-burguesa que a série apresenta. Com a saída de William, os problemas sobressaem.

Vista por muitos como “comovente”, This Is Us (produzida pela NBC entre 2016 e 2022 e transmitida pela Amazon Prime e pelo Star +) é uma série de muito sucesso. Mas vi com outros olhos. Outras séries famosas são muito mais críticas, inteligentes e até sensíveis. House MD, Breaking Bad, Mad Men, Lista Negra e Sopranos, por exemplo, sustentam uma ideia disruptiva e questionadora da sociedade. This Is Us, porém, é pró-sistema.

Succession

Ela quer soar como Anos Incríveis (1988), mas, em diversos momentos de suas seis temporadas, lembra Succession (2018), aquela da odiosa família bilionária.

This Is Us lembra Succession não só pela concepção egoísta e autocentrada de família. Lembra pela centralidade do patriarca, pela simbiose entre os irmãos, pelas conversas onde quem não é da família tem que se retirar, pela noção de que vale tudo em nome da família e pela alienação quanto a todo o resto. Só que há uma diferença fundamental: em Succession somos convidados a odiar os Roys e em This Is Us somos incitados a amar os Pearsons.

A série aborda temas sociais, como a questão racial, a homossexualidade, a obesidade, a adoção, traumas de guerra e o Alzheimer. Mas, ao mesmo tempo em que a família de Randall lida com situações sensíveis como a adoção de uma moça já criada, e ao mesmo tempo em que fala em “microagressões”, ele e a esposa Beth rejeitam o relacionamento da filha com um rapaz que mora no bairro pobre porque “não é gente do nível dela”.

Como os animais são tratados

Também não condiz com a imagem que a série quer passar, a maneira como os animais são tratados. A ideia de que salvar o cachorro da família de um incêndio é apenas um capricho que se desdobra em um erro, por exemplo, é uma grosseria. Ou a ideia de que a morte dos peixinhos das crianças foi uma “bobagem”. Ou, que esmagar o mini lagarto de estimação da filha deveria ser “engraçado”. Os criadores da série foram descuidados ou foi intencional reforçar a mensagem de que os animais são como objetos descartáveis?

Engraçado que até em séries mais violentas, como Sopranos e Lista Negra, ou mais cínicas, como House, os animais são tratados com mais dignidade.

American way of life

A série flui bem, é bem amarrada e os personagens são bem construídos. E isso é um problema porque envolve o espectador em um grande fetichismo do American way of life, com todos os vícios que a expressão possui, inclusive o papel do homem como provedor e “pai de família” e da mulher como cuidadora e “procriadora”.

O final, pensado para ser grandioso e catártico, é entediante e conservador como um especial de fim de ano da Rede Globo. A série exalta momentos de união familiar como se isso fosse uma verdade universal. Como se da porta pra dentro, a família americana – o pai, que é o esteio, a mãe, idealista, e os três filhos, a menina, o bonito e o inteligente – fosse a força capaz de irradiar ondas de felicidade até atingir a paz mundial.

Sabemos, contudo, que não só esse não é um modelo realista, como ele pode ser muito opressor, dada a complexidade da natureza humana, da relação com a sociedade e com o mundo natural.

This Is Us está mais para uma novela com um roteiro batido, do tipo que gira em torno da expectativa de quem vai casar com quem. É bem produzida, mas sua essência passa longe da qualidade criativa e intelectual das grandes séries.

Veja aqui o trailer da primeira temporada:


Texto em português do Brasil

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