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Domingo, Dezembro 22, 2024

Tiempo de Historia – retratos do nosso tempo

José M. Bastos
José M. Bastos
Crítico de cinema

Em texto anterior falámos das secções da 62ª SEMINCI focadas no cinema de ficção: a secção oficial e o ‘Punto de Encuentro’, mostra de obras de novos realizadores. Hoje, a nossa atenção incide sobre outra área da programação da Semana Internacional de Cinema de Valladolid, Tiempo de Historia, uma mostra, também competitiva, dedicada ao cinema documental. Apesar de o título desta secção remeter aparentemente para o passado este é um conjunto de trabalhos que se debruçam sobre a História, mas a História dos nossos dias. São 18 documentários – 14 em concurso e 4 fora de competição – que tratam alguns dos temas mais marcantes da actualidade, como o drama dos refugiados, a guerra na Síria ou o regime da Coreia do Norte, não esquecendo outros assuntos transversais a todas as sociedades como a natureza, a maternidade, as doenças mentais e do envelhecimento, a gastronomia ou o próprio cinema.

Estão presentes filme de Espanha, Estados Unidos, Holanda, Finlândia, Bulgária, Alemanha, Qatar, Noruega, Líbano e México, entre outros países.

Alguns destaques

Referência particular para dois filmes que estão nomeados para os Prémios do Cinema Europeu a atribuir no próximo mês de Dezembro.

‘Taste Of Cement’, de Ziad Kalthoum

‘The Good Postman’, de Tonislav Hristov

O primeiro é ‘Taste Of Cement’, co-produção de Alemanha/Líbano/Síria/Emirados Árabes e Qatar, realizado pelo sírio Ziad Kalthoum. Vencedor do Festival ‘Visions du Réel’ e exibido em Locarno, esta é uma interessantíssima abordagem do drama dos refugiados. No caso, sírios que trabalham na construção civil em Beirute. Irónicamente, enquanto levantam arranha-céus na capital libanesa as suas casas, nas aldeias sírias, continuam a ser bombardeadas. Um documento impressionante.

Os refugiados são também o tema que serve de pano de fundo a  ‘Hyvä Postimies’ / The Good Postman, do búlgaro Tonislav Hristov, uma história que tem como figura central um carteiro que decide candidatar-se a autarca da sua pequena aldeia, uma localidade búlgara com 38 habitantes situada junto à fronteira com a Turquia e que se converte em local de passagem, privilegiado e secreto, de refugiados que procuram entrar na Europa.

‘Liberation Day’, de Morten Traavik e Ugis Olte

‘Shootball’, de Fèlix Colomer

‘Liberation Day’, co-produção da Noruega/Letónia/Reino Unido/Eslovénia, de Morten Traavik e Ugis Olte, descreve as circunstâncias em que uma banda ex-jugoslava, agora eslovena, se converteu no primeiro grupo de rock a actuar na Coreia do Norte perante uma audiência sujeita a um rigoroso controlo ideológico e que nunca ouviu aquele tipo de música.

Fèlix Colomer é um jovem realizador catalão que no ano passado obteve na SEMINCI uma menção especial com ‘Sasha’ um interessante documentário sobre crianças ucranianas que, no Verão, passam as suas férias com famílias de acolhimento em Barcelona. Desta vez apresentou um trabalho de tratamento bem mais difícil. “Shootball” é a história do abuso sexual de um jovem por um homem mais velho, seu professor de educação física no colégio dos Maristas de Barcelona. Impressionante o facto de o pai do rapaz e o abusador darem a cara e serem as personagens principais de um documentário. que revela o rápido amadurecimento do seu autor. Fèlix Colomer, apesar da sua juventude (completa 24 anos no próximo mês), ultrapassou todas as dificuldades que se foram levantando durante as filmagens e mostra em ‘Shootball’ uma coragem e uma determinação invulgares.

Outros títulos

Aqui ficam outros títulos desta secção:

  • ‘Bayang Ina Mo’ / Motherland, (Estados Unidos/Filipinas), de Ramona S. Díaz, abordagem da maternidade nas Filipinas, um dos países mais povoados  e mais pobres do mundo;
  • ‘Bobbi Jene’ da dinamarquesa radicada em Nova Iorque, Elvira Lind, sobre a bailarina que dá nome ao filme;
  • ‘City of Ghosts’ (Estados Unidos) de Matthew Heineman, “infiltração” no coração de Raqqa, a cidade que é o centro de operações do Estado Islâmico na Síria;
  • ‘De Kindren Van Juf Kiet’ / Miss Kiet’s Children (Holanda), de Petra e Peter Lataster, que trata do trabalho de uma professora com crianças refugiadas chegadas à Holanda;
  • ‘Dina’ (Estados Unidos), de Dan Sickles e Antonio Santini, a história de amor de um casal recém-casado, ele portador do síndrome de Asperger e que foge do contacto físico;
  • ‘En La libertad del diablo’ do mexicano Everardo González, relato da forma como o fenómeno da violência se instalou no inconsciente da população mexicana;
  • ‘Neljä Elementtiä’ (Life In Four Elements) da finlandesa Natalie Halla, uma viagem através dos quatro elementos  (terra, ar, água e fogo) a partir do percurso de quatro personagens;
  • ‘Panoptic’ (Líbano), de Rana Eid, exploração das contradições entre o Líbano de hoje ainda preso ao passado da guerra civil dos anos oitenta;
  • ‘Ta acorda ba tu el Filipinas?’, da artista audiovisual e professora universitária Sally Gutiérrez, sobre a pluralidade de línguas (muitas dezenas) que são faladas nas Filipinas e sobre o que resta da cultura e influência espanhola naquele país asiático;
  • ‘Ta peau si lisse, do canadiano Denis Côté, retrato das rigorosas rotinas diárias de ‘gladiadores’ dos nossos dias: atletas de culturismo e um ex-campeão agora treinador.

 Documentário fora de concurso

‘Le Vénérable W.’, de Barbet Schroeder

‘Visages,Villages’, de Agnès Varda

Embora não participando na competição de Tiempo de História deve ainda ser referido ‘78/52’ do norte-americano Alexandre O. Philippe que celebra o cinema através da análise da célebre cena do assassinato no chuveiro  de ‘Psycho’ de Alfred Hitchcock,  e do que dela disseram Guillermo del Toro, Bret Easton Ellis, Karyn Kusama, Eli Roth e Peter Bogdanovich.  Também, ‘Soul’ documentário espanhol de José Antonio Blanco e Ángel Parra, o encontro do chef basco Eneko Atxa , de 39 anos, com o Jiro Ono, o japonês mestre de sushi, de 90 anos, ambos detentores de três estrelas Michelin.  

De Barbet Schroeder, ‘Le Vénérable W.’, viagem à Birmânia para dar a conhecer a vida, a personalidade e a ideologia de Wirathu, un monge e líder espiritual budista altamente respeitado por grande parte da população birmanesa e com enorme influência no seu país. Uma influência nefasta já que é ele e o seu movimento que, a pretexto da defesa da raça e da religião budista,  estão por trás da perseguição à etnia muçulmana ‘rohingya’ e à generalidade dos muçulmanos da Birmânia. Com a complacência (ou o apoio) da Junta Militar que dirigiu o país, a que se seguiu a incapacidade dos actuais governandes, incluindo a Prémio Nobel da Paz, Aung San Suu Kyi, Wirathu com o seu discurso xenófo e fascizante tem incendiado a Birmânia e, nos últimos meses, promovido o extermínio da etnia ‘rohingya’. Foi sem qualquer estranheza  que vimos, neste filme de Barbet Schroeder, o monge Wirathu a confessar-se admirador de Trump e a desejar a sua vitória nas eleições norte-americanas…

E, finalmente, algo muito mais agradável. A cereja no topo do bolo, ou no dizer dos castelhanos, ‘el broche de oro’: ‘Visages,Villages’ o admirável trabalho que a quase nonagenária Agnès Varda, que em 11 de Novembro vai receber um Oscar Honorário, realizou com o artista gráfico urbano e fotógrafo JR, conhecido pelas suas intervenções em ruas e casas de todo o mundo. ‘Visages,Villages’ é uma viagem pelo mundo rural francês, um itinerário de intervenção artística. Um filme de memórias mas também uma janela para o futuro assinado por uma cineasta permanentemente jovem. Absolutamente imperdível.

‘Espigas de Honra’ para Garcia Sánchez, Emma Suárez e Luis Tosar

José Luis Garcia Sánchez

Emma Suárez

Luis Tosar

Em texto anterior já nos referimos à entrega, na sessão de abertura, de duas “Espigas de Honra”, o prémio hononorífico da SEMINCI ao realizador mexicano Arturo Ripstein e à actriz espanhola Marisa Paredes.  Na passada segunda feira, que esta mostra de Valladolid considerou como o ‘Dia de Castilla y León’ o distinguido foi José Luis Garcia Sánchez, prestigiado nome de realizador e homem de cinema, nascido em Salamanca, e ontem o dia do ‘Cine Español’  foram atribuídas as duas últimas ‘Espigas de Honra’ da presente edição: à madrilena Emma Suárez (intérprete de filmes de José Luis Borau, Julio Medem, Juan Miñon, Pilar Miró ou Pedro Almodóvar) e ao galego Luis Tosar (protagonista de títulos significativos como ‘Lunes al Sol’, ‘Te doy mis ojos’ ou ‘Celda 211’, entre muitos outros).

 

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