Na tarde de 25 de Julho de 2023 o Primeiro Ministro de Portugal receberá os seus convidados na Embaixada de Portugal em Díli. Tudo está a acontecer após a constituição do novo governo em Timor-Leste chefiado por Kay Rala Xanana Gusmão.
Durante a sua estadia neste país da CPLP, para além das fotos de família para relembrar os laços históricos e amistosos que unem Portugal e Timor-Leste, um dos assuntos que estará na mesa das negociações, certamente, será o ensino da língua portuguesa em Timor-Leste.
As palavras de Kay Rala Xanana Gusmão proferidas no acto de posse do IX Governo Constitucional de Timor-Leste, na qualidade de Primeiro Ministro, em defesa da língua portuguesa, demonstram que o novo Governo pretende tomar diversas medidas estratégicas para (finalmente) se consolidar e desenvolver a língua portuguesa em todo o território nacional.
O que todos sabemos, factos que não podem nem devem ser ignorados, nem camuflados, é que a maioria dos deputados, jornalistas, funcionários públicos, professores de todos os níveis de ensino, advogados (!), etc., não dominam a língua portuguesa, aliás, alguns pouco ou nada sabem da língua lusófona.
De facto, a maioria ou mesmo todos falam fluentemente Tétum e Bahasa indonésia, mas, não falam português, apesar de ser uma das línguas oficiais do país, portanto, tal como referiu (e muito bem!) o líder histórico da resistência, algo terá que ser feito!
O que irá fazer o IX Governo Constitucional, nomeadamente em relação às políticas curriculares, o público (ainda) não sabe, tão pouco foi anunciado no Programa de Governo aprovado por unanimidade no Parlamento Nacional.
O cerne da questão é perceber qual é a estratégia sobre as políticas linguísticas, ou melhor dizendo, compreender a estratégia do projecto e a sua operacionalização nas escolas, nas repartições públicas, nos meios de comunicação social, nos manuais escolares e no Parlamento Nacional, entre outras entidades.
Sobre os Centros de Aprendizagem e Formação Escolar (CAFE), para já, só há conhecimento público de que a Coordenadora Timorense, Antonieta de Jesus, foi demitida pela actual ministra da educação, tendo-se criado a expectativa de saber se a pessoa que virá está tão próxima da língua portuguesa como estava a antecessora.
Decisão participada: o que fazer, como fazer e quando fazer
Entretanto o IX Governo aludiu que irá proceder a estudos de avaliação financeira necessários para iniciar o processo que tem como finalidade multiplicar os CAFE (Centro de Aprendizagem e Formação Escolar) por todo o país, uma excelente notícia que devemos aplaudir e incentivar, e outras acções e medidas conducentes à resolução do problema da implantação da língua portuguesa em Timor-Leste.
No processo informativo também ficou a dúvida sobre se esses estudos serão realizados exclusivamente por Timor-Leste, sem a participação de Portugal, apesar de ser parte envolvida no projecto.
Na minha opinião, obviamente, até numa perspectiva de aproveitamento de sinergias, mas fundamentalmente pelo facto de Portugal ter cofinanciado o projecto dos CAFE, como parte parceira do projecto, terá que estar envolvido no estudo anunciado.
Mais do que isso, sobre a língua portuguesa em Timor-Leste, e no caso dos CAFE em especial, precisa-se de uma tomada de decisão participada, com todos os protagonistas do processo (Timor-Leste e Portugal) porque há uma preocupação generalizada relacionada com a trilogia, o que fazer, como fazer e quando fazer.
A ASEAN, o inglês e o bahasa indonésia
Um outro aspecto problemático que está a suceder recentemente e a confundir algumas mentes e acima de tudo a atrapalhar o desenvolvimento do processo da língua portuguesa em Timor-Leste é a anunciada provável adesão de Timor-Leste à Associação dos Países do Sudeste Asiático (ASEAN).
Considero que a entrada formal de Timor-Leste na ASEAN é muito importante, tratando-se de um processo quase irreversível, mas, o país (ainda) não está preparado, pelo facto dos diplomados pelas universidades do país não possuírem as competências necessárias e suficientes, pelo facto de apresentarmos sérias debilidades nos sectores económico e produtivo e por outras tantas razões que devido à economia de espaço não vou aqui mencionar, claro está, a impreparação do país não impede que o trabalho diplomático prossiga por parte de Timor-Leste (e de Portugal), como está a acontecer.
Ainda sobre este dossier da ASEAN, também temos que admitir, as agências internacionais e alguns países, é notório, aproveitam-se da situação para tentarem convencer os decisores políticos a estimular a “massificação” da língua inglesa e do bahasa indonésia, ignorando, conforme está determinado na Constituição da República que são apenas línguas de trabalho. As consequências destas acções são muito nefastas em todo o processo, interferindo de diversas formas, ao nível da língua de ensino, nomeadamente, no ensino superior.
Um outro obstáculo ao ensino do português em Timor-Leste está relacionado com o processo de construção de manuais escolares, havendo rumores de que a UNESCO terá fabricado perto de 2 milhões de manuais escolares, na sua maioria em tétum, alguns em línguas nacionais, e poucos em língua portuguesa.
A ser verdade que a UNESCO ou outra agência internacional orientou para que fossem feitos 2 milhões de manuais escolares em língua tétum, então, algo vai errado no que diz respeito ao esforço para a consolidação e desenvolvimento de língua portuguesa.
Sobre esta matéria já o referi, e repito, a língua de ensino em todos os níveis (Pré-Escolar, Básico, Secundário e Superior) deveria ser exclusivamente a língua portuguesa. A língua tétum e as nacionais poderiam ser usadas para auxiliar no processo de ensino-aprendizagem, tal como acontece em Cabo Verde.
Note-se, em relação ao inglês, o país deve, naturalmente, ensinar a língua inglesa, como se faz em todo o mundo não anglófono, com a abertura de cursos de inglês para funcionários diplomáticos e nas universidades, entre outras instituições, mas nunca ser introduzido no currículo escolar do ensino básico e secundário de forma análoga às línguas da constituição, portanto, retirando a necessária carga horária do português na medida em que o inglês e o bahasa indonésia são línguas de trabalho.
Sobre o apoio da CPLP a Timor-Leste: do passado ao presente
Há 27 anos, no âmbito das minhas habituais visitas às embaixadas dos Países de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) acreditadas em Portugal e nos EUA para abordar a questão de Timor-Leste, tive um encontro, em Lisboa, com o então Secretário-Executivo da CPLP, Marcolino Moco, ex-Primeiro Ministro de Angola.
Nessa reunião testemunhei pelas palavras do Secretário-Executivo da CPLP o inquestionável apoio da CPLP à causa de Timor-Leste.
É justo afirmar que os PALOP se mantiveram firmes em relação à autodeterminação e independência de Timor-Leste. Também é justo referir que Angola, sei de fonte fidedigna, financiou a Resistência Timorense.
Mas, Moçambique também apoiou diplomática e financeiramente a FRETILIN, na altura desempenhavam funções com estatuto diplomático, Mari Alkatiri e José Ramos-Horta, entre outros, portanto, o carinho e a entrega destes países à causa de Timor-Leste foram essenciais para a luta de libertação nacional.
Outrossim, os diplomatas de Cabo Verde, da Guiné-Bissau e de São Tomé e Príncipe, com quem falei por diversas vezes em Nova Iorque no quadro das reuniões do Comité de Descolonização das Nações Unidas, através das suas Missões Diplomáticas junto da ONU, sempre se mantiveram firmes na defesa intransigente do direito do povo timorense à autodeterminação e independência.
Portanto, no passado, o apoio da CPLP a Timor-Leste foi evidente e é do conhecimento público.
É de elementar justiça reconhecer que Portugal tem desempenhado um papel muito activo em Timor-Leste, com a construção da Escola Portuguesa de Díli, com a implantação dos CAFE, entre outras acções e actividades, sendo certo que a actual vinda do Primeiro Ministro de Portugal a Timor-Leste é outra evidência.
O Brasil, para além da oferta de bolsas de estudo para as suas universidades, recentemente, apresentou o projecto de criação de uma Escola Superior de Educação, construída de raiz, uma excelente ideia que vai ao encontro das propostas do Partido Socialista de Timor (PST).
Os países dos PALOP possuem formadores de professores qualificados que também podem apoiar este processo de consolidação e desenvolvimento da língua portuguesa em Timor-Leste.
A Guiné-Equatorial, após uma etapa de formação de professores, quando ninguém estava à espera, tomou a decisão de introduzir como língua de ensino, a partir de 2024, a língua portuguesa.
Perante estas vontades expressas de apoio a Timor-Leste que mencionei, e outras mais, na medida em que todos os países lusófonos terão a ganhar, o que é que está a ser feito para que a CPLP, de forma participada, proceda à concepção de um plano de acção conjunto e sustentável que promova, consolide e desenvolva a língua portuguesa em Timor-Leste?