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João de Sousa

Sábado, Julho 27, 2024

Eleições em Timor-Leste

O debate que não era debate, a campainha estridente e os tradutores que não sabiam português.

O Presidente da Comissão Nacional de Eleições (CNE) de Timor-Leste, Alcino de Baris, teve a brilhante ideia de promover um debate entre os oito candidatos presidenciais. A iniciativa da CNE em desejar juntar os candidatos presidenciais no último dia da campanha para um debate criou de imediato uma grande expectativa no seio da sociedade timorense porque, pensávamos nós, seria mesmo um debate, um debate a sério, com regras mínimas de civismo, e que iria possibilitar aos timorenses aperceberem-se da real capacidade de argumentação dos candidatos presidenciais, em confronto de ideias, com retórica, e desta forma, cada um decidir com racionalidade acrescida o seu voto.

De facto, para grande espanto, numa reunião preparatória a convite do Senhor Presidente da CNE, com a presença de candidatos e representantes legais, foi então explicado que o debate, afinal, não seria bem um debate, e que teria muitas regras, para garantir-se a disciplina, e ninguém sair da linha, portanto, assegurando-se a troca de ideias de forma muito pacífica, ordeira, sem qualquer tipo de polémica, não fosse, às vezes, abordarem-se assuntos quiçá melindrosos e comprometedores.

O debate que afinal não era debate, e tinha uma enxurrada de regras para serem escrupulosamente cumpridas, ao ponto de serem inscritas nos convites, ocorreu no último dia da campanha eleitoral, no passado dia 17, no salão solene da CNE, com a presença de jornalistas, representantes dos órgãos de soberania, corpo diplomático acreditado no país, deputados da União Europeia, académicos, enfim, estrangeiros e parte de alguma actual elite da sociedade timorense, que incluiu, imagine-se, a famosa cantora timorense que ganhou o terceiro lugar num festival de música que teve lugar este ano na Indonésia.

No debate que não foi debate, os candidatos eram obrigados a responder às perguntas (preparadas) dos jornalistas, em dois minutos, pois, ultrapassado o tempo limite, havia uma campainha com um som estridente a avisar que deveriam deixar de falar. Aliás, também caricato, quando algum candidato não quisesse falar os dois minutos era necessário esperar-se o som sibilante da campainha para outro candidato tomar a palavra.

Contudo, o que quero mesmo referir prende-se com o escândalo a que se assistiu no debate que não era debate, durante as traduções em directo, um imbróglio que remete para o eterno problema do (não) desenvolvimento da língua portuguesa em Timor-Leste e que tem emperrado algumas tomadas de decisão políticas estratégicas em diversos sectores da vida do país.

Efectivamente, como todos os candidatos presidenciais e jornalistas se comunicavam em tétum, e como referi havia diplomatas da União Europeia e outros cidadãos estrangeiros, a CNE decidiu providenciar, pasme-se, tradutores para inglês, mas não tradutores para português, apesar de se saber que iriam estar presentes convidados falantes da língua portuguesa, não conhecedores do tétum, porém, fluentes em português, a segunda língua oficial de Timor-Leste.

Mas, o que realmente encheu de espanto alguns dos presentes, nomeadamente diplomatas da lusofonia, foi o momento em que o candidato presidencial José Luís Guterres em determinada ocasião utilizou algumas expressões em português na sua resposta à pergunta do jornalista e o tradutor disse, note-se, ouvido por todos os presentes que usavam auscultadores, “não sei português, e por isso não posso traduzir a frase do candidato”.

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