Na passada semana, em Nova Iorque, José Ramos-Horta fez um discurso que contribuiu para voltar a colocar o mapa de Timor-Leste na ribalta. A forma como o Chefe de Estado se posicionou, demonstrou inteligência, sapiência, visão geoestratégica e espírito de conciliação, refiro-me à tese da fraternidade humana.
Desde que Ramos-Horta ganhou as eleições, em Abril de 2022, em meia dúzia de meses, o Chefe de Estado está a transmitir uma “lufada de ar fresco”, ou seja, há indícios de mudança, renovação, inovação e novas ideias.
Paralelamente, Kay Rala Xanana Gusmão, o líder incontestado do País, está a desenvolver uma ofensiva diplomática internacional de extrema relevância, atrevo-me a afirmar, sem precedentes, passando pelo Vaticano, pelos EUA, Europa, Indonésia, Austrália, Portugal, discursando em diversos fóruns internacionais, portanto, colocando a sua vasta experiência e sabedoria ao serviço da Nação.
As acções de Kay Rala Xanana Gusmão e de Ramos-Horta, sem qualquer margem para dúvidas, só não vê quem não quer, oferecem expectativas de que Timor-Leste pode voltar a ser um país normal, com bons índices de crescimento e desenvolvimento económico e social, um país respeitado internacionalmente.
Se, por um lado, o povo timorense regista com orgulho a imagem bem projectada de Timor-Leste devido às acções de Kay Rala Xanana Gusmão e de Ramos Horta, por outro lado, estamos confrontados com uma governação incapaz de encontrar respostas aos problemas e desafios que se colocam ao país.
O principal problema a analisar são as causas e as consequências da má governação, pois, já afirmei em diversos contextos, não há um plano de desenvolvimento estratégico capaz de contrariar os problemas estruturais e conjunturais do país que aumentaram nos últimos cinco anos.
Administração pública deficiente
A administração pública é uma das áreas onde se sente a má governação, não estando vocacionada para maior eficiência e flexibilidade, incapaz de apostar na digitalização dos serviços públicos e na diminuição da burocracia assustadora que está cimentada em quase todas as instituições públicas.
No entanto, a Constituição da República Democrática de Timor-Leste (C-RDTL) definiu os princípios gerais da Administração Pública, de forma clara e inequívoca:
“A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses dos cidadãos e das instituições constitucionais”.
(Ponto 1 do Artigo 137º)
“A Administração Pública é estruturada de modo a evitar a burocratização, aproximar os serviços das populações e assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva”.
(Ponto 2 do Artigo 137º)
A verdade é que há uma máquina pesada, burocrática e profundamente centralizada, sem falar nos miseráveis salários dos funcionários públicos, salários que não acompanham a inflação, portanto, uma administração pública caduca que não se aproxima dos cidadãos e muito menos mostra a transparência dos processos.
Assim, contrariamente ao que é preconizado na C-RDTL, há incapacidade no que diz respeito à concepção de melhores políticas públicas e no estabelecimento de forma cooperada de uma rede de partilha de conhecimentos e de recursos humanos para um planeamento estratégico conducente a uma actuação do Estado com coordenação, coerência e transparência.
Este aspecto da fragilidade da administração pública, para além de destacar a importância e pertinência da formação de quadros, remete para a necessidade de se promover o debate público, académico e político, para o estabelecimento de actuações racionais baseadas numa visão estratégica e coerente.
Ausência de um plano nacional de formação de quadros
A C-RDTL espelha nos seus diversos artigos, o direito do cidadão timorense ao trabalho, o direito à segurança social e assistência social, o direito à saúde, o direito à habitação, o direito à educação e cultura, o direito à propriedade intelectual, entre outros.
No campo da educação, e vou referir-me apenas a esta dimensão, em todos os níveis de ensino, o panorama revela acentuadas assimetrias e vulnerabilidades devido às políticas do sector não terem sido bem delineadas.
Há cinco anos, neste mesmo Jornal, referi-me à necessidade de se proceder a um plano nacional de formação de quadros. Lembro-me de ter acentuado a gravidade de não termos quadros médios e superiores em número suficiente e qualificados.
Apesar da educação e a aposta na qualificação dos recursos humanos serem imperativos para se dar cumprimento ao Plano Estratégico de Desenvolvimento de Timor-Leste e aos desafios que se avizinham com a entrada de Timor-Leste na Associação dos Países do Sudeste Asiático (ASEAN), até ao momento não foi ainda realizada uma avaliação credível sobre a formação de professores e de quadros médios e superiores em todo o território.
As debilidades do ensino superior
No ensino superior, um sector que conheço bem, há falhas muito graves. No âmbito do processo de ensino-aprendizagem, por exemplo, há necessidade da mudança de paradigma, porque ganha força a ideia de que nas salas de aula não se deve utilizar de forma abusiva o método expositivo, apelando-se à diversificação de metodologias organizativas e métodos de ensino que contribuam para a aquisição de conhecimentos científicos e o desenvolvimento de competências dos estudantes, deve ser colocada na agenda das políticas públicas do ensino superior.
Em Timor-Leste, cada vez mais, está a crescer o analfabetismo funcional. O que é o analfabetismo funcional? Estamos perante uma situação de analfabetismo funcional quando realizamos um programa escolar que no final apresenta estudantes com um perfil de saída que não se coaduna com realidade, isto é, o aluno conclui a escola, sabe ler, sabe escrever, sabe contar, mas não sabe fazer uso desses conhecimentos na vida quotidiana, como por exemplo, preencher um formulário num banco ou numa repartição pública.
Estas situações só se resolverão se houver professores que utilizem métodos de ensino centrados no desenvolvimento de competências, mas tal não está a acontecer. Outra situação é a ausência de competências linguísticas por parte dos docentes sem domínio da língua portuguesa que acabam por ministrar as aulas em língua indonésia.
O currículo, sendo outra dimensão fundamental do Ensino Superior Universitário e Técnico, deve estar presente nos planos de desenvolvimento institucional das IES numa lógica de desenvolvimento curricular participado e inovador em busca da qualidade da oferta educativa.
A inovação curricular tem como principal objectivo a melhoria do processo de ensino-aprendizagem, portanto, deve adoptar-se a flexibilização curricular para proporcionar a articulação entre a teoria e a prática, a formação integrada na realidade cultural, económica e social, ou seja, o currículo nas universidades e institutos superiores do país não pode estar fechado e deve estar receptivo à realidade nacional e à globalização económica e política.
A qualidade da oferta educativa das Instituições de Ensino Superior (IES) de Timor-Leste depende da qualidade dos docentes e do processo de ensino-aprendizagem moderno e inovador. Os nossos professores só contribuirão para um novo perfil de saída dos diplomados se mudarem de paradigma didáctico-pedagógico, com novas estratégias de ensino e procedimentos de avaliação, diversificados e coerentes com os métodos de ensino adoptados. Os estudantes também terão que ser mais empreendedores e estarem imbuídos de novas estratégias de aprendizagem e tarefas.
No campo da oferta educativa, todas as observações empíricas que facilmente seriam comprovadas com estudos no universo do ensino superior, dão conta de que em Timor-Leste a maioria dos professores do Ensino Superior (não todos) possuem má formação científica, técnica, didáctico-pedagógica e, como já mencionei, reduzidas competências linguísticas ou nulas (muitos não sabem português, ministrando as aulas apenas em tétum ou língua indonésia) e com insuficientes competências de âmbito cultural, social e ético.
Igualmente, não será necessário realizar muitos estudos para concluir que grande parte dos docentes do Ensino Superior não têm habilitações necessárias e suficientes para ensinar neste nível de ensino, têm salários muito reduzidos, o que ocasiona má motivação laboral, para além das dificuldades que têm em ministrar aulas devido à inexistência de bons laboratórios, bibliotecas, etc.
No fundo, há muitos cursos fundamentalmente de «papel e lápis» para um país com muita agricultura (de subsistência) e muito peixe e minerais mas só com poucos cursos de engenharia de minas, de agricultura e de ciências do mar.
O país tem excelentes condições turísticas mas não há cursos superiores de hotelaria, há apenas um de medicina, não há cursos para a indústria agroalimentar (mas somos produtores de café), nem de produção industrial, nem de engenharia, nem …, mas há muitos cursos de direito, economia, filosofia e gestão que contribuem para o desemprego estrutural de muitos dos nossos jovens, contribuindo para a emigração da juventude, obrigando as empresas nacionais e serviços a ter que recorrer à assessoria estrangeira.
Sustentabilidade é o caminho a seguir
A perspectiva da sustentabilidade, defendida no exterior por Kay Rala Xanana Gusmão e Ramos-Horta, não é implementada internamente, precisamente, por ausência de quadros técnicos com essa visão e de políticas públicas bem delineadas.
Os pilares fundamentais da sustentabilidade englobam a lógica ecológica, sociocultural e económica (tripé da sustentabilidade), sendo certo que estes pilares devem ser preocupações transversais a toda a sociedade de Timor-Leste.
Na dimensão ambiental, a conservação dos nossos recursos naturais, a educação ambiental, o uso de energia limpa e renovável, a biodiversidade, para citar apenas estes exemplos, são inquietações que devem envolver de forma transversal toda a comunidade académica e sociedade.
Na dimensão social e cultural, há absoluta necessidade de se garantir a valorização dos direitos humanos, de se envolver as comunidades de todos os sucos e aldeias do país no processo de desenvolvimento económico e de se valorizar cada vez mais o bem-estar sociocultural e assegurar que haja políticas públicas direccionadas para a inclusão social.
Na dimensão económica, para se ter prosperidade, transparência, competitividade e estratégias de crescimento equitativo e assente na preservação ambiental e bem-estar social, é absolutamente necessário que se concebam políticas públicas capazes de resolver problemas de ordem estrutural com coerência, ética, criatividade e inovação.
Há que introduzir na agenda nacional um grande debate e reflexão em torno das principais temáticas inerentes ao desenvolvimento económico e social do país, com a participação de líderes nacionais credíveis e proactivos, académicos, jornalistas, igreja, juventude e outras forças vivas da sociedade.
Perguntas que carecem de resposta
Quais são os custos, os recursos humanos, os materiais e o equipamento necessários para darmos cumprimento a uma política educativa de qualidade defendida no Plano Estratégico de Desenvolvimento?
Quais são as prioridades e programas de acção para a formação de quadros médios e superiores, para a administração pública e outros sectores? Quais são os resultados esperados e a estimativa de custos para os programas de formação de quadros? Há algum documento orientador sobre a política de formação profissional na administração pública? Existe um balanço de necessidades de formação da oferta educativa interna nos domínios estratégicos de formação média e superior? Colocar este tipo de perguntas e encontrar respostas é um desafio crucial para a resolução de muitos constrangimentos inerentes à formação e educação.
É preciso reconhecer, a dupla Kay Rala Xanana Gusmão e Ramos Horta, estão a tentar quebrar a inércia que se vive no país, estão a prestar um novo impulso à dinâmica nacional e às expectativas do povo timorense.
Porém, se não houver mudanças nas políticas governamentais, Timor-Leste será sempre um país a duas velocidades.