A tragédia escancara que a mudança climática é um desafio do agora e expõe um problema estrutural do país, o déficit de moradia, agravado pelo desmonte de políticas habitacionais na gestão Bolsonaro.
Os últimos dias foram de dor e apreensão para moradores do Litoral, Zona da Mata e parte do Agreste de Pernambuco. Os temporais que atingem o Estado há uma semana – com precipitações acima de 200 mm em apenas 24 horas em algumas cidades – deixaram mortos, feridos, desaparecidos, desabrigados. A tragédia escancara que a mudança climática é um desafio do agora e expõe um problema estrutural do país, o déficit de moradia, agravado pelo desmonte de políticas habitacionais na gestão Bolsonaro.
Até a tarde desta segunda-feira (30), o estado havia registrado 91 mortes, em decorrência das fortes e constantes chuvas. Outras 26 pessoas estão desaparecidas. De acordo com a Coordenadoria de Defesa Civil do Estado de Pernambuco (Codecipe), 5 mil estão desabrigadas.
Apesar de o volume das chuvas ter diminuído, a Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac) comunicou que a tendência é de que as precipitações continuem até sexta-feira (3). O alerta de risco de deslizamento, portanto, permanece, tendo em vista o solo encharcado.
“As chuvas diminuíram um pouco nesta segunda-feira, mas a situação ainda inspira cuidados. E o trabalho, sobretudo nas áreas de risco, segue sem pausa. É um momento de muita dor, que exige ação, união, cuidado e solidariedade”, disse a vice-governadora Luciana Santos, que desde as primeiras ocorrências, integra um gabinete de crise, montado pelo governo do estado e mobilizado para dar assistência às vítimas e apoio aos municípios.
Algumas cidades receberam, em 24 horas, mais chuvas do que o previsto para o mês inteiro. Catorze municípios decretaram situação de emergência: Recife, Olinda, Jaboatão dos Guararapes, São José da Coroa Grande, Moreno, Nazaré, Macaparana, Cabo de Santo Agostinho, São Vicente Ferrer, Paudalho, Paulista, Goiana, Timbaúba e Camaragibe.
As equipes da Codecipe e do Corpo de Bombeiros do Estado foram reforçadas. O governador Paulo Câmara antecipou a nomeação de 92 novos soldados do Corpo de Bombeiros, que tomariam posse a partir de 6 de junho, para reforçar o socorro às vítimas. Também acionou o apoio do Comando Militar do Nordeste, com efetivo, embarcações e aeronaves, para o serviço de busca e salvamento. Atualmente o estado conta ainda com o suporte das Forças Armadas e dos bombeiros da Paraíba, de Minas Gerais e do Rio Grande do Norte.
“É preciso destacar o trabalho de homens e mulheres do corpo de bombeiros, defesa civil, Exército, assistência social, entre outros servidores públicos, que têm se mostrado incansáveis nesse momento tão duro para todos”, afirmou a vice-governadora.
O governo disponibilizou R$ 100 milhões para o trabalho de busca e salvamento, obras urgentes e de infraestrutura nos municípios mais atingidos. Os recursos estarão disponíveis para as prefeituras já nesta semana. Além disso, com a publicação do decreto estadual de situação de emergência, os municípios atingidos também poderão acessar recursos do Sistema Nacional de Defesa Civil.
O que acontece em Pernambuco não é um fato isolado, vide os recentes desastres em Minas Gerais, Bahia e Rio de Janeiro. Os efeitos das mudanças no clima são sentidos com cada vez mais intensidade. Segundo relatório do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, Recife é a 16ª cidade do mundo mais ameaçada pela emergência climática e pelo avanço do nível do mar.
A crise ambiental se soma à crise econômica e social, que empurra famílias vulneráveis para moradias precárias. O que faz morrer não é, na verdade, a chuva, mas o fato de as pessoas continuarem se expondo, pela necessidade de viverem em áreas de risco. O déficit habitacional no Brasil é de 8 milhões de moradias, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Mas se estima que esse número seja bem maior.
Eventos como os temporais de Pernambuco lançam luz sobre este problema estrutural, que tem sido potencializado pelo desmonte das políticas habitacionais. Entre 2019 e 2020, por exemplo, a área sofreu cortes de mais de 40%.
“A quantidade de pessoas que vivem em situação subnormal no país é muito grande. Esse é um tema de décadas, que a gente precisa enfrentar e, no último período, foi completamente abandonado pelo governo federal. Não há mais política de habitação popular no país. A última foi o Minha Casa, Minha Vida, com a presidente Dilma. E, por ser um problema estruturante de décadas, não se resolve de uma hora para outra, precisa de continuidade”, diz a vice-governadora Luciana Santos.
Antes de acabar com o maior programa de moradia da história do Brasil, o presidente Jair Bolsonaro – que nesta segunda sobrevoou as áreas afetadas pelas chuvas em Pernambuco e anunciou medidas para auxiliar as vítimas – tratou de desidratá-lo, rebaixando suas verbas a níveis inéditos.
A criação do Casa Verde Amarela, para substituir o programa das gestões petistas, passou por um corte de 98% em seu orçamento. A redução tinha endereço certo, para atingir justamente a faixa do programa voltada às famílias de baixa renda.
“Nós temos, hoje, com Guedes e Bolsonaro, uma série de problemas econômicos, com as pessoas desempregadas, inflação em alta, aspectos que impedem as famílias de pagarem aluguel, levando-as a se arriscarem. E, para piorar, há o fim das políticas públicas de habitação e infraestrutura”, lamenta Luciana.
Solidariedade
Diante da grave situação das famílias que ficaram desabrigadas em Pernambuco, diversas entidades e movimentos iniciaram campanhas de solidariedade, para arrecadação de alimentos, roupas, agasalhos, colchões, itens de higiene e também doações em dinheiro.
Você também pode contribuir, através da Campanha Unificada (pix: [email protected]) ou de iniciativas de entidades como a Central Única das Favelas em Pernambuco (CUFA PE), o Fórum de Mulheres de Pernambuco e a Brigada Popular Pernambuco.
Texto em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado