Por vezes precisamos que certos fenómenos ocorram para reconhecer, com maior clareza, a forma como a ciência influencia a nossa vida, por mais hermética e conceptual que ela seja. O fenómeno foi a morte do Professor Stephen Hawking, no passado mês de Março. O reconhecimento desta influencia é-nos particularmente sensível num momento em que as tecnologias de informação e comunicação, ou TIC, conduzem a uma verdadeira transformação digital[1] da sociedade em que vivemos.
Segundo José Manuel Costa (Costa, 2018) está em formação uma nova era, a que chama Sociedade 5.0, cujo factor crítico passa pelo entendimento de que tudo está ligado entre si e que o novo catalisador social vai ser a adaptabilidade. A este respeito, o próximo lançamento da rede 5G, provavelmente em 2019, vai trazer a potência necessária para dar início à maior revolução tecnológica da história humana. Inteligência artificial, robótica, internet das coisas[2], viaturas autónomas ou entregas através de drones[3] vão-se integrar no sentido de incrementar a produtividade e a eficiência dos processos, procurando melhorar a qualidade de vida em sociedade.
Mas o que vai acontecer ao trabalho? Todos tememos os efeitos do desemprego, a que Viviane Forrester chama “o amigo público numero um” (Forrester, 1997). Conforme refere João Cerejeira, professor da Universidade do Minho citado por Cátia Mateus em artigo do Expresso (Mateus, 2018), já hoje a tecnologia está a substituir profissionais qualificados, que apesar de terem atribuídas funções complexas executam tarefas rotineiras (tais como contabilistas, analistas de crédito, bancários e outros). Cerejeira considera que existem hoje 4 tipos de profissionais:
- os trabalhadores não qualificados com tarefas não rotineiras;
- os trabalhadores qualificados com funções complexas;
- os trabalhadores não qualificados com tarefas rotineiras;
- os trabalhadores qualificados com funções complexas mas rotineiras.
Segundo este professor da Universidade do Minho, nos grupos 3 e 4 o impacto da tecnologia será maior, tanto em termos de empregabilidade como de remuneração. No limite espera-nos um mundo onde comunicaremos uns com os outros através do pensamento e onde poderosos sistemas de cálculo permitirão a cada um interagir mais facilmente com a sociedade, optimizando a sua condição física e mental.
No contexto actual, as pessoas sentem-se receosas e alarmadas com a informação que é divulgada sobre o tema. A este respeito, Rodney Brooks (Brooks, 2018) identificou 7 aspectos que podem conduzir a percepções erradas sobre a transformação digital:
- De acordo com a Lei de Amara, temos tendência para sobrestimar a incidência de uma nova tecnologia no curto prazo e para a subestimar no longo prazo. O GPS (global positioning system) ficou disponível em 1978 mas só em 1991, com a Guerra do Golgo, teve uma aplicação eficaz e amplamente divulgada. Hoje o GPS permite às pessoas e às organizações múltiplas e infindáveis aplicações, que decerto não estiveram na mente dos engenheiros que desenvolveram o produto.
- As tecnologias inovadoras têm algo de mágico para os seus primeiros utilizadores, até se banalizarem com o uso diário das suas funcionalidades. No entanto, para quem está na vanguarda, esta aura mística é algo arrebatador.
- Há dias vi um vídeo de um robot que conseguia abrir e fechar uma porta. Saltou-me de imediato à vista o significativo número de passos que tal ação envolve. Aquilo que fazemos instantaneamente e sem pensar para uma máquina corresponde a um processo infindável e moroso de pequenos passos. Estamos ainda muito longe de ter uma máquina com aptidões pelo menos aproximadas às dos humanos.
- Desde a sua formação superior que o meu filho trabalha em robótica e desde o início que uma das suas preocupações foi o número de chips que queimava, quando as linhas de programação excediam a capacidade do device. Toda a aprendizagem de uma máquina (machine learning) é diametralmente oposta à aprendizagem de um ser humano, exigindo um elevado e minucioso esforço de programação, tantas vezes interrompido pela dimensão da tarefa a efectuar, tal como o robot que abre e fecha a porta acima referido.
- Gordon Moore pode ser considerado como o pai do exponencialismo, afirmando que nem sempre o exponenciar da capacidade corresponde a igual crescimento da performance. O crescimento exponencial acaba quando se alcança um limite físico (como no caso dos chips que queimavam), ou quando já não há razão económica para continuar (como quando os clientes não estão disponíveis para pagar mais alguns euros por um iPhone X).
- A ficção científica transporta o sonho de que nada é limitado, que tudo é alcançável num universo sem limites e constrangimentos. Hollywood tem contagiado os seus espetadores com esta ficção, que muito pouco tem a ver com a realidade. No limite chegamos a Anthony Levandowski e à sua “Way of the Future”, um culto dedicado à inteligência artificial onde o algoritmo é uma espécie de deus.
- Na maioria das redes sociais, as funcionalidades disponíveis mudam com velocidade furiosa. Estima-se que o só o facebook disponibilize uma nova funcionalidade a cada hora que passa. Esta realidade obriga os programadores a uma vida de montanha russa, mas o mais importante é que as perdas que podem resultar de erros nestas novas funcionalidades se tornaram praticamente irrelevantes.
Mas qual será, afinal, o efeito desta transformação digital no nosso modelo de vida, nas nossas sociedades e nos nossos empregos? Vamos ficar todos pobres e desempregados, proscritos de uma sociedade para quem o emprego ainda significa status? Vamos entrar numa espiral de pobreza que vai incrementar a conflitualidade a nível mundial? Tudo isto é muito mais apocalíptico que real, resulta de futurologia e teorias cientificamente mal fundamentadas.
Alguns futurólogos afirmam já que profissões como médicos e advogados tenderão a desaparecer, mas o que é consensual entre os cientistas é que só lá para 2021 é que uma máquina conseguirá passar a ferro e dobrar a roupa. Quanto a conduzir um camião talvez por volta de 2030 e a substituir um cirurgião só depois de 2050. E quanto a substituir-nos no trabalho? As expectativas mais optimistas apontam para que só em 2140 existirão máquinas capazes de executar qualquer forma de trabalho. Daqui por mais de 120 anos …
No final, fica a interrogação: e até lá? Como será este caminho que iremos percorrer? A buzzword Indústria 4.0 é o reflexo de uma revolução que já se iniciou, que muito provavelmente conduzirá à Sociedade 5.0 referida por José Manuel Costa. Temos a felicidade de viver tempos históricos, no salto entre um mundo que se desmorona e uma nova realidade que emerge. Temos a felicidade de viver tempos em que os jovens (e os menos jovens) transformam sonhos em oportunidades, ideias em modelos de negócio, pequenas arrecadações em poderosas multinacionais. Muda a realidade, mas muda sobretudo o mindset destes pioneiros que abrem o caminho para os mundos do amanhã.
Por agora o que se torna cada vez mais visível é a crescente preocupação com o nosso planeta, com a liberdade e com os direitos fundamentais de cada pessoa, com modelos de crescimento que passam inevitavelmente por melhorar a distribuição da riqueza. É neste cenário que nos movemos e onde pretendemos optimizar o nosso posicionamento e o das nossas organizações. Mas como?
A este respeito, Paulo Zacarias Gomes (Gomes, 2018) apelida o fundador da Amazon, Jeff Bezos, como um inovador obcecado pelo cliente, sintetizando em 10 pontos a sua atitude perante a economia, a sociedade e a vida:
- Minimizar arrependimentos, aquilo que poderia ter feito e não fiz
- Desenvolver um padrão de cultura invejável
- Não deixar que a razão se sobreponha à paixão
- Estar atento às tendências e quando interessante adotá-las
- Apostar no talento dos colaboradores e da organização
- Dar sempre prioridade e atenção ao cliente
- Transformar o produto em algo desejável pelo consumidor
- Inovar sempre e pensar em grande
- Não deixar os processos dominarem o negócio
- Ser visionário e pensar a longo prazo
Os 10-pontos-10 de Jeff Bezos podem ser mais uma das infindáveis listas de mudança que todos nós recebemos e colocamos de lado na secretária e na vida. Afinal, o que é mesmo importante é que cada um de nós encontre os seus pontos de referência no caminho que vai continuar a concorrer. A isto a inteligência artificial não responde, mas também nada disto é verdadeiramente inovador, pois não?
[1] Transformação digital define-se como sendo uma nova abordagem, onde as TIC desempenham um papel chave na transformação da estratégia, estrutura, cultura e processos de uma empresa, utilizando o alcance e o poder da internet. (consultado em Transformação Digital, 15.03.2018)
[2] Definimos internet das coisas (IoT) como uma rede de objetos físicos (veículos, imóveis e outros) que possuem tecnologia incorporada, sensores e capacidade de ligação a redes capaz de recolher, armazenar e transmitir dados. (consultado em Wikipédia: Internet das coisas, 15.03.2018)
[3] Definimos drone como todo e qualquer tipo de aeronave que não necessita de pilotos a bordo para ser conduzida. (consultado em Wikipédia Veículo aéreo não tripulado, 15.03.2018)
Bibliografia Utilizada:
- BROOKS, R. (2018), Quem tem medo da inteligência artificial?, Courrier Internacional, 264 fevereiro 2018, pp. 38 – 49
- COSTA, J.M. (2018), Sociedade 5.0, o futuro, pelo presente, obtido em 01.02.2018, de Dinheiro Vivo – José Manuel Costa
- FORRESTER, V. (1997), O Horror Económico, Lisboa: Terramar
- GOMES, P. S. (2018), O inovador obcecado pelo cliente, Exame, fevereiro 2018, pp. 32 – 33
- MATEUS, C. (2018), Será quem os gestores sonham com trabalhadores elétricos?, Expresso Economia, 24.02.2018, pp. 30 – 32
- REIS, R. P. (2018), Na estrada para o amanhã, Expresso Revista, 03.02.2018, pp. 45 – 49