Nunca fui um fã do frívolo e caro mundo dos “festivais” (de entre os quais o espectáculo dos Óscares é o símbolo mais famoso) nem possuo preparação especializada para me pronunciar sobre a indústria cinematográfica; no entanto os media e as redes sociais não me permitiram escapar à cerimónia dos Óscares de 2017.
De acordo com os media, a declaração escrita de um produtor iraniano a quem foi atribuído um óscar e lida no evento dizia:
“A minha ausência deve-se ao respeito pelo povo do meu país assim como aos de seis outras nações desrespeitadas pela lei inumana banindo a entrada de imigrantes nos EUA. Dividir o mundo em categorias na linha de “nós contra eles” cria medo, o qual por sua vez dissimuladamente justifica a regressão e a guerra. Estas guerras impedem a democracia e os direitos humanos em países que têm sido agredidos.”
Esta mensagem, enviada directamente de Teerão, foi inacreditavelmente aplaudida pelos cidadãos americanos presentes, bem como pelas autoridades iranianas e pelo lobby iraniano baseado nos EUA. O mundo ouviu o Irão dar lições aos EUA em matéria de paz e direitos humanos em directo de Hollywood! São lições que foram dadas pelo principal apoiante de terrorismo no mundo; por um país que destrói sem piedade as nações vizinhas através de métodos terroristas; por um país no qual artistas, intelectuais, filósofos e jornalistas que fujam à linha oficial são rotineiramente presos, chicoteados, assassinados!
O absurdo
E assim, as mesmas pessoas que tão violentamente protestaram contra o Presidente Trump em nome dos direitos da mulher e outros princípios fundamentais do nosso sistema democrático moderno envolvem-se agora alegremente na defesa da capital mundial da misogenia, tirania e intolerância religiosa fanática e medievalista.
Isto ofendeu profundamente os refugiados iranianos nos EUA assim como outras vítimas do regime iraniano. Isto deu força á opinião daqueles que com razão apontaram para a agenda não patriótica do chamado “mundo liberal – termo ambíguo e tipicamente Americano necessitando melhor clarificação – assim como a sua total bancarrota a nível moral.
Tratar como equivalentes o Presidente Americano – independentemente do que se possa julgar pessoalmente acerca das suas escolhas políticas – e os do clérigo iraniano, tudo em nome dos direitos humanos, é um absurdo apenas compreensível no âmbito de tácticas de propaganda ou como um fenómeno socio-psicológico irracional.
A escolha do “Komintern” comunista de considerar as democracias ocidentais e não a Alemanha Nazi como o inimigo principal a abater, dando assim origem ao Pacto Molotov-Ribentrop, emanou tanto dos cálculos imperiais de Estaline como de um receio genuíno de que o Oeste permitisse ao eixo Germano-Japonês atacar concertadamente a União Soviética. A mudança de opinião e a lógica interna da Terceira Internacional poderão ser vistas como erros estratégicos ou cálculos errados dos riscos envolvidos, mas não podem ser vistas como irracionais.
No entanto o que aconteceu entre a opinião pública ocidental foi algo bastante diferente. Desenvolveu-se um “estado de espírito de apaziguamento” a partir do início da década de 1930 sem o qual a ascensão do Nazismo não teria sido possível, um estado de espírito brilhantemente descrito pelo grande historiador de Hitler Ian Kershaw, especialmente na sua obra de referência “Tratar Hitler como amigo” (Making friends with Hitler).
Como ele nos conta, o Times of London – o mais respeitado dos jornais britânicos da época – considerou Adolfo Hitler “um moderado” que deveria ser apoiado pelas democracias ocidentais de forma a isolá-lo dos radicais existentes dentro do partido Nazi, uma charada que inevitavelmente recorda os actos daqueles que na actualidade incessantemente proclamam a necessidade de cooperação com os ‘moderados’ do regime iraniano”.
Síndroma de Estocolmo
Walter Laqueur, outro historiador de referência, intitulou uma das suas obras de “Psicologia Política do Apaziguamento”, sem no entanto desenvolver a distinção teórica entre a maior e mais complexa sociopsicologia dos fenómenos de massas e a simples soma de patologias individuais.
Uma atitude de apaziguamento justifica-se quando é direcionada a alguèm disposto a comprometer-se na procura de soluções comuns a problemas objectivos; no entanto apenas intensifica o risco de agressão se tiver origem numa reacção irracional destinada a satisfazer o agressor a qualquer custo.
A “ligação ao agente do trauma” ou o mais severo “Síndroma de Estocolmo” são casos extremos de apaziguamento desenvolvidos na literatura académica; eu refiro-me a eles num texto da minha autoria incluído num livro editado pela SADF e brevemente disponível:
“Ela desenvolve-se em quatro fases. A primeira fase é caracterizada pela negação; a vítima vê-se incapaz de enfrentar o que aconteceu e recusa referir-se á agressão em si devido a mecanismos emocionais de auto-protecção. Numa segunda fase vemos um fenómeno de dissociação no qual a vítima descreve os eventos como se não lhe tivessem acontecido ou como se os tivesse visto num filme. A terceira fase dá origem à dissonância cognitiva, outro mecanismo de auto-preservação no qual a verdade é distorcida e a acção do agressor normalizada de forma a diminuir a dor da realidade. A ligação traumática é a última fase do processo durante a qual a vítima tenta normalizar a sua vida com o agressor. No caso do síndrome de Estocolmo é dado mais um passo e a vítima desenvolve emocões positivas para com o agressor.”
A sociopsicologia do fenómeno representa um todo maior do que a simples soma destas atitudes paranóicas individuais que a compõem. A atitude dominante de apaziguamento inclui vários graus interligados de racionalidade distorcida face ao agressor.
Paranóia fundamentalista
No pólo oposto do espectro sócio-psicológico vemos a “gestalt paranóica fundamentalista” – definição de David M. Terman presente num livro por ele co-editado, “A Mentalidade Fundamentalista” (2010)
Terman considera que:
”O grupo islâmico paranóico defende e propõe-se estabelecer a sua visão utópica de um mundo perfeito dominado pela Lei Islâmica, a Sharia. A sua nemesis é o Oeste, Cristão, Judeu ou ambas as coisas; a exterminação do infiel ocidental é a causa sagrada. Isto representa um caso clássico de gestalt paranóica.”
A paranóia colectiva é um todo superior à soma das atitudes paranóicas individuais que o compõem. O regime teocrático Iraniano tem inscrito na sua Constituição o objectivo de reduzir o mundo inteiro á sua visão jihadista do Islão e age em consequência, sempre seguindo o objectivo de “exterminar o infiel ocidental”.
Para atingir os seus objectivos últimos a teocracia não hesita em usar o seu vasto leque de mecanismos de propaganda. Finge actuar em nome de “valores democráticos ocidentais” ao pintar os seus oponentes como “membros de cultos” ou criminosos ou ao lutar contra gangs ou grupos jihadistas rivais. Mantém uma vasta rede de lobistas em todas as esferas ocidentais de poder, usando uma linguagem dupla sempre que a considera útil. Produz diferentes narrativas ideológicas de forma a mobilizar uma diversidade de simpatizantes potenciais e não hesita em proclamar-se mesmo como ”defensora de direitos humanos”, como foi o caso em apreço, se calcular que isto lhe traz vantagens.
A guerra crucial que temos pela frente não é aquela a que estamos habituados nos cenários clássicos de conflito, mas aquela que tem como palco de batalha a informação: a teocracia visa manter uma “gestalt paranóica jihadista” no seu campo, enquanto promove uma mentalidade de apaziguamento entre as suas vítimas. A “batalha de Hollywood” é uma batalha crucial neste contexto, e uma batalha que aqueles que defendem os verdadeiros valores de direitos humanos, respeitadores de todos independentemente de traços físicos ou crenças religiosas, não se podem dar ao luxo de perder.
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