Retenho na memória da semana que passou as intervenções acutilantes de Marinho Pinto, Miguel Sousa Tavares, Garcia Pereira e de Carlos Fino – este último, aqui nas páginas do Tornado – e terminando com as tonitruantes palavras de Manuel Alegre.
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E onde para o “Pacto da Justiça”?
Retenho na memória da semana que passou as intervenções acutilantes de Marinho Pinto, Miguel Sousa Tavares, Garcia Pereira e de Carlos Fino – este último, aqui nas páginas do Tornado – e terminando com as tonitruantes palavras de Manuel Alegre.
Começo por afirmar que partilho da percepção generalizada de que há uma captura do Estado por interesses particulares, que infiltram as instituições políticas, judiciais e militares sem que a sociedade portuguesa tenha encontrado meios de a combater.
Penso que o problema é também do funcionamento do sistema judicial, mas não creio que o seja apenas ou fundamentalmente. As perspectivas que vêm nas garantias dadas ao cidadão – incluindo aqui o cidadão com maiores responsabilidades – a razão pela qual estamos confrontados com este estado de coisas, parecem-me erradas.
Vejamos a questão da independência da justiça, ou mais especificamente do Ministério Público. Montesquieu falou-nos na ‘separação de poderes’ o que se traduz na independência das várias formas de poder entre elas, mas não obviamente por passar por cima da sua legitimidade. Melhor do que Montesquieu é a fórmula americana de equilíbrios e controlos das várias formas de poder, totalmente incompatível com o conceito absurdo de irresponsabilidade e inimputabilidade das corporações judiciais que faz escola entre nós.
Concordo com Carlos Fino que a solução não é remeter o Ministério Público para a dependência do poder executivo. Penso que a solução tradicional democrática de fazer a sua eleição poderá também não ser a mais adequada. Poderemos certamente encontrar outras soluções, mas que garantam o fim da inadmissível situação de termos sindicatos corporativos sem controlo a gerir as instituições públicas.
Não subscrevo a visão de uma elite que alerta para uma nova Pide e mete no mesmo saco situações e responsabilidades de cidadãos de responsabilidades públicas que não podem ser confundidos, passando por cima da usurpação do Estado que muitos deles fizeram.
Tudo isto deveria obviamente ser balizado pelo debate do misterioso “pacto de justiça” que o senhor Presidente da República garantiu aos portugueses lhe ter sido entregue. Mas este continua dado como desaparecido e continuamos sem saber se tem 80, 87, 88 medidas ou se alguma vez passou de uma criação virtual do senhor Presidente da República.
Se o senhor Presidente da República em vez de se dedicar à invenção ‘de factos políticos’ promovesse um verdadeiro debate público (onde as corporações também se devem fazer ouvir, naturalmente) sobre o problema, estaríamos certamente mais avançados nesta matéria.
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A esquerda portuguesa e a educação
A educação – no sentido de disponibilização a todos os cidadãos de conhecimentos fundamentais – costumava ser uma bandeira da esquerda, ou mesmo das várias esquerdas. Nos EUA e na generalidade do Ocidente a reivindicação de mais atenção à educação é talvez a sua bandeira mais emblemática, na antiga Europa comunista, e apesar da censura, é inegável a maior atenção dada à educação no sentido mais clássico do termo do que, por exemplo, no Sul da Europa.
Pelo contrário, a direita tem tradicionalmente uma visão mais instrumental da educação, ou seja, não negando a óbvia necessidade de se ter gente qualificada, tem uma visão mais céptica da necessidade de generalizar uma extensa educação formal. Na direita, ou se veneram pessoas como Donald Trump, a quem os seus eleitores perdoam os pontapés na gramática ou, como no Portugal do Doutor Salazar, a educação é só para alguns, cabendo ao povo ser pobrezinho não só materialmente mas também educacionalmente.
Em Portugal, os governos de António Guterres deram uma enorme atenção à educação, aumentando-lhe de forma muito apreciável os recursos e as ambições, ao mesmo tempo que se introduziu Portugal nos rankings internacionais (o exercício PISA). Os governos de José Sócrates deram também aqui um enorme passo em frente, nomeadamente com o programa das ‘Novas oportunidades’.
Assisti esta semana às reacções à divulgação dos resultados nacionais por instituição de ensino de várias personalidades com responsabilidades passadas ou presentes do PS. Fiquei aterrado! Nem sequer a desculpa da aliança com o PCP ou do BE podem alegar. Fiquei com a impressão de que, por vontade deles, se censuravam os resultados e se começava o desmantelamento da política de António Guterres.
Discursos redondos cheios de jargão falaram-nos no contexto (como se alguma vez o contexto não fosse necessário para percebermos tudo o que nos rodeia) e literalmente tentaram pintar de cor-de-rosa a velha lógica salazarista pela qual o Estado não deve tentar dar os melhores meios de educação a todos os cidadãos.
Há muitas maneiras honestas de contextualizar os resultados escolares. Poderemos lembrar que na Ásia oriental, uma exagerada concorrência leva à infelicidade e a taxas de suicídio insuportáveis. Poderíamos dizer que é melhor uma cultura e equilíbrio mental que grandes prodígios algébricos (se bem que suspeito que essa via não nos levaria longe), mas não ouvi nada disso, ouvi antes que as escolas onde os resultados eram piores eram as dos meios mais pobres e periféricos e, em consequência, não se devia falar disso.
Como socialista – ou seja, alguém que considera fundamentais as preocupações sociais – acho que os resultados escolares reflectirem a pobreza e perificidade em que vivem as crianças não pode ser aceite.
Se as crianças mais pobres e ou as que vivem em lugares mais periféricos têm maus resultados escolares, é imperioso saber como, porquê e o que pode e deve fazer a colectividade para minorar essa desvantagem que vai obviamente perpetuar se não mesmo aprofundar as fracturas sociais existentes.
O primeiro passo para essa política de igualdade de oportunidades educacionais é, obviamente, evidenciar a realidade e nunca silenciá-la.
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A guerra ao alojamento local
A senhora deputada Helena Roseta deu esta semana nova visibilidade pública ao grupo de personalidades que no PS partilha da opinião do BE que é necessário declarar guerra ao alojamento local. E se tenho pela senhora deputada a maior das considerações, não posso deixar de ver a sua posição e os seus argumentos como despudoradamente demagógicos e totalmente inaceitáveis.
Diz a senhora deputada que ““Ninguém com dois dedos de testa” arrenda casa quando há alojamento local“. Na lógica da senhora deputada, os europeus – por exemplo a Bélgica, com um vibrantíssimo mercado de arrendamento muitas vezes superior ao do alojamento local – são burros e os portugueses são umas águias!
Não terá passado pela cabeça da senhora deputada que um proprietário que tem razões fundadas para temer ver o seu inquilino transformado em ocupante, porque os políticos, desde Salazar, se habituaram a decretar congelamentos de rendas e a justiça não funciona; que paga poucos impostos de propriedade (e nenhum por ter a casa desocupada), e cresceu numa cultura de especulação imobiliária prefira ter um inquilino de que sabe se pode livrar do que um onde isso seja um ponto de interrogação?
Não entende a senhora deputada que, desde que haja confiança nas instituições, qualquer proprietário português que tenha de optar entre o trabalho de andar a alugar por dias a gente que de uma forma ou de outra não conhece ou alugar a três anos, em igualdade de condições, obviamente optará pelo segundo caso, não porque tenha passado a ser ‘ burro como um belga’, mas pela lógica mais elementar?
Como explica a senhora deputada as altíssimas taxas de desocupação imobiliária? Onde baseia a senhora deputada a sua crença na excepcional inteligência dos portugueses que, contrariamente aos europeus sem dois dedos de testa, só querem alojamento local?
Não é aceitável que se continue em Portugal a legislar ignorando a realidade europeia e que, para nada mudar nos atavismos nacionais, se pretenda destruir uma das bases mais importantes do desenvolvimento do país.
Obviamente que se houver confiança nas instituições, se os impostos forem mais sobre a propriedade do que sobre o rendimento imobiliário, se se penalizar a casa não ocupada, como se faz na generalidade da Europa, se repõem equilíbrios. E se se concluir que o Estado necessita de investir na habitação, que o faça! É totalmente inaceitável que para defender o conservantismo de nada fazer se queira atacar um dos mais dinâmicos sectores da economia nacional.