DO AVESSO
Talvez por refúgio criado em nome da nossa sanidade mental, temos a tendência de deixar que os grandes temas do mundo nos passem ao lado. Inserimos as notícias mais assustadoras no arquivo virtual da nossa sobrevivência.Quando falamos de Donald Trump, por exemplo, já só é para contar a última anedota, que a figura, para isso, serve e é sem dúvida inspiradora. Todavia há vários problemas que se prendem com o anedotário e é disso que este texto fala.
Se prefere as anedotas leia esta e salte o resto do texto: Donald Trump decidiu rescindir com o Acordo de Paris, um compromisso histórico que foi negociado por 195 países para conter o aquecimento global do planeta e reduzir as emissões de gases com efeito de estufa. Conseguiu fazê-lo em minutos. Vou então pedir-lhe ajuda para rescindir o meu contrato com o ginásio e o outro com o meu operador de telecomunicações, que são muito mais duros de roer que esses de Paris e não me fazem as vontades.
Se prefere pensar, esqueça a anedota e leia isto, agora, a sério:
Trump obteve mais uma vitória. Que mesmo assim, é um efeito de cosmética: todos os cidadãos do Irão, Líbia, Síria, Iémen, Somália e Chade deixam de poder viajar para os Estados Unidos.
Já o dissemos nestas páginas – e até tivemos um defensor de Trump, na altura, a fingir que nos criticava – que Trump escolheu a dedo estes países, não ferindo aqueles onde tem os seus maiores interesses de negócio. Cumpre (em parte) uma promessa eleitoral, lança aos quatro ventos que é “o maior”, e segue nos seus intentos, que são bem definidos e obedecem à agenda que o grande capital, o maior do mundo, definiu para ele. Agora, com o apoio do Supremo Tribunal que confirmou assim a proibição de entrada nos Estados Unidos de pessoas oriundas de seis países muçulmanos. Os juízes decidiram, com dois votos contra, que a medida pode ser aplicada na totalidade, apesar da existência de vários processos nos tribunais. O Tribunal de Apelo do 9.º Circulo, sediado em San Francisco, no Estado da Califórnia, e o do 4.º Circulo, baseado em Richmond, no Estado da Virgínia, vão ter audiências sobre a legalidade da proibição ainda esta semana.
Mas das notícias que envolvem Trump há uma mais grave e preocupante, entre tantas graves e preocupantes que o ladeiam: Donald também recuperou outra promessa eleitoral e parece que vai mesmo mudar a embaixada dos EUA de Telavive para a Cidade Santa de Jerusalém. O ato parece ser uma provocação. E muitos líderes árabes temem que o gesto provoque novas ondas de violência e de fanatismo na região.
É de notar que a Paz se constrói com atos de Paz – e não com desafios de conflito. Trump é um inimigo da Paz, já se viu; e um atentado à Humanidade, já se provou.
Telavive é a capital oficial e reconhecida por toda a comunidade internacional e Jerusalém é a cidade disputada por judeus e palestinianos e reivindicada por Israel como capital indivisível do seu Estado. A opção de Trump equivale ao reconhecimento norte-americano de Jerusalém como capital do Estado de Israel. Por outras palavras, é um forte revés nas pretensões palestinianas na cidade e no estabelecimento de um Estado independente.
A seguir em frente, esta ideia é ainda o enfraquecimento assumido de Washington enquanto mediador entre israelitas e palestinianos e significa desestabilizar uma região, particularmente nos territórios ocupados da Palestina e em Jerusalém Oriental, historicamente tão desestabilizada, como bem sabemos.
Por opção do autor, este artigo respeita o AO90