Após a tomada de posse de Donald Trump e no contexto profundamente dividido da política norte-americana, estamos a assistir à transição de uma administração intervencionista e abertamente belicista para uma outra de declarado pendor isolacionista, imperialista e proteccionista.
Dentro e fora das fronteiras norte-americanas, os próximos tempos anunciam-se agitados e caóticos, à medida que Trump e a sua equipa de fiéis impõem o rol de promessas eleitorais que no campo da política externa conjugam arrogância, com provocações, insultos, chantagem, ameaças coercivas e intimidação a eito, anunciadas num dia e prorrogadas no seguinte. Internamente, já começou a aplicação do receituário do Projecto 2025 – um conjunto de planos elaborado pelo think-tank de direita Heritage Foundation e orientado para a aplicação em todas as áreas do governo – o que podendo reforçar a ideia de uma melhor preparação deste segundo mandato, nem assim consegue disfarçar o que de tonitruante e espalhafatoso continua a emanar da figura de Trump, ou a evidência da ascensão ao poder da nova plutocracia oriunda de Silicon Valley, que tem no controverso Elon Musk – o multimilionário dono da Tesla, da SpaceX e na rede social X (ex Twitter) – a figura de proa do DOGE (o recém criado Departamento de Eficiência Governamental), órgão consultivo orientado para a modernização e eficiência dos departamentos do governo federal.
Este novo Departamento de Eficiência rapidamente mostrou ao que vinha, com o anúncio do encerramento de várias agências e o afastamento de milhares de funcionários, acção prontamente contestada e travada em alguns tribunais federais.
Outra promessa eleitoral, de ampla divulgação e seguro apoio dos grupos mais xenófobos, foi a da deportação de um grande número de imigrantes indocumentados, algo que a prazo se deverá mostrar ruinoso para economia doméstica pois esta medida de redução da oferta de trabalho terá como efeito o aumento dos salários e alguma redução nas margens e lucros das empresas.
Especificamente no capítulo económico (Trumponomics), outra das grandes bandeiras da actual administração norte-americana é a da redução das taxas de imposto sobre particulares e empresas, exequível pelo corte drástico na despesa pública. Propõe-se ainda resolver os desequilíbrios nas balanças comerciais com uma política de aumento das tarifas sobre os produtos importados. De imediato, e a pretexto da necessidade de melhorar a segurança fronteiriça, os primeiros alvos foram os vizinhos Canadá e México (responsabilizados pelas vagas de imigrantes) e a China (responsabilizada pelo fabrico e distribuição de drogas), com as importações chinesas a serem taxadas em 10% (e não em 60% como prometido durante a campanha eleitoral) e as restantes em 25%.
A curto prazo, algumas medidas, como os novos cortes de impostos, a substituição de importações e a desregulação, poderão até vir a estimular o investimento, a produção e o emprego nacionais, pelo menos em alguns sectores e durante algum tempo, mas medidas, como a grande edução das despesas governamentais e as guerras comerciais iminentes, poderão ter o efeito contrário. Na prática a nova administração parece apostada num delicado equilíbrio entre a redução de impostos e a redução da despesa pública numa conjuntura onde o elevado défice orçamental (segundo dados do próprio tesouro norte-americano, o défice em finais de 2024 atingiu os 87 mil milhões de dólares) e a enorme dívida pública (segundo dados da página oficial Fiscal Data já ultrapassa os 35 biliões de dólares e atinge os 123% do PIB) podem ainda vir a agravar-se e só o encargo anual com os juros da dívida ultrapassa já o bilião de dólares.
A redução dos impostos sobre o rendimento das empresas e das famílias irá, quase seguramente, aumentar os défices e a dívida pública, o que se traduzirá na necessidade do Tesouro americano emitir mais títulos e no aumento da pressão sobre as taxas de juros de longo prazo e no receio de aumentar a inflação. Já o aumento do preço dos produtos importados (por via do agravamento tarifário) e dos salários (por via da redução da mão de obra resultante da redução do exército de reserva que são os trabalhadores ilegais) poderá levar a Fed a abrandar a velocidade de velocidade das taxas directoras por receio de ver regressar a inflação, numa altura em que aumentará a pressão sobre os preços e os custos, em que aumentarão os salários em alguns sectores quando muitos trabalhadores estrangeiros forem deportados e em que serão necessários novos investimentos para substituir as importações encarecidas.
O regresso da inflação pode bem ser uma das primeiras e mais visíveis consequências do impacto das medidas proteccionistas, inevitavelmente reflectidas na subida dos preços de muitos produtos e matérias primas importados; o próprio Cato Institute (um think tank libertário e conhecido defensor da redução do papel do estado) já veio alertar para o aumento dos custos para os cidadãos americanos e a insuspeita revista Fortune estima que as tarifas que estão a ser impostas ao Canadá, à China e ao México, os três maiores parceiros comerciais dos EUA, podem custar à família americana média 1.200 dólares por ano, numa altura em que muitos estão desesperados por preços mais baixos, após anos de inflação a consumir as suas contas bancárias.
A médio prazo, o aumento das tarifas aduaneiras deverá contribuir para a redução do rendimento disponível e do consumo no conjunto da economia norte-americana e as naturais retaliações comerciais de outros países não deixarão de prejudicar as exportações americanas, numa conjuntura difícil em que a desaceleração económica mundial não será do interesse da economia americana nem da economia mundial.
As hipóteses de sucesso de uma política comercial mercantilista, com a que parece desenhada pelos EUA, podem ser avaliadas a partir de experiências anteriores, como a do Smoot-Hawley Act de 1930, que no auge da Grande Depressão aumentou as taxas de importação americanas em cerca de 20% e provocou uma guerra comercial internacional que levou muitos países a retaliarem e a adoptarem políticas comerciais que conduziram à contração do comércio e de toda a economia mundial.
Iremos voltar a assistir a um cenário parecido ou a vertigem noticiosa que se tornou actualmente norma conseguirá sobrevalorizar as possíveis vantagens imediatas e esconder o que se lhe seguir?