Após a tomada de posse de Donald Trump e no contexto profundamente dividido da política norte-americana, estamos a assistir à transição de uma administração intervencionista e abertamente belicista para uma outra de declarado pendor isolacionista, imperialista e proteccionista.
Das múltiplas medidas anunciadas, muitas já sofreram derrogações (especialmente as de maior pendor económico) ou estão a ser objecto de acções judiciais (particularmente as de pendor social ou administrativo). Do enquadramento apresentado para o anúncio da nova política tarifária ressalta o recurso aos habituais argumentos falsos e a confirmação das suas fracas bases sobre finanças internacionais, quando reduz a apreciação dos saldos das transacções ao saldo comercial (bens e serviços) e esquece o saldo de capitais que é invariavelmente favorável à economia americana.
Esta notória falta de sustentação teórica – particularmente relevante quando Trump anuncia enormes subidas de tarifas sobre as importações que revelam um confrangedor desconhecimento do conceito de elasticidade e do seu efeito sobre os volumes transaccionados e as próprias receitas fiscais – parece ainda mais reforçada quando se procura enquadrar a ideia do proteccionismo económico numa conjuntura de elevado endividamento público, como a que vivem actualmente os EUA.
Com a dívida pública a rondar os 125% do PIB norte-americano, consequência de anos de redução das receitas fiscais, de políticas de “quantitative easing” e das crescentes necessidades para financiar as sucessivas guerras em que se têm envolvido, é expectável que após um período de esperada exuberância económica e financeira se instale nos anos seguintes uma recessão económica, fruto da conjugação dos seguintes factores: à guerra comercial instalada seguir-se-ão retaliações tarifárias que se traduzirão numa mais que provável contracção das exportações, dificilmente compensável pela expansão do sector doméstico de substituição de importações, situação que se verá agravada pela contracção da despesa pública e o abrandamento do crescimento económico.
Mas os entraves e as limitações à estratégia económica assumida por Donald Trump são ainda mais vastos e profundos, estendendo-se ao campo financeiro, em consequência do papel de domínio do dólar nas transações internacionais. O simples facto de a moeda nacional norte-americana ser a principal moeda de pagamento internacional, origina uma procura global por esta moeda e se isso tem servido para atrair capitais externos para a economia norte-americana e fortalecido a sua moeda nos mercados cambiais, pode agora desgastar-se, desvalorizar o dólar e afectar aquela importante alavanca estratégica.
Outra evidente imagem de quão desajustada se afigura a estratégia do Trumponomics, deriva da estrutura financeira construída após Bretton Woods que elevou o dólar norte-americano a uma posição dominante no comércio mundial e graças à qual não tem faltado o afluxo de capitais estrangeiros, mas que poderá agora reduzir-se, fazer baixar o valor da moeda e diminuir a respectiva importância como meio de pagamento global, algo que o próprio Trump parece querer manter quando ameaçou os BRICS de lhes impor tarifas de 100% se estes tentarem substituir o dólar americano como moeda de reserva mundial!
Trump, e a equipa que o rodeia, parecem ignorar o velho adágio popular que assegura a impossibilidade de ter sol na eira e chuva no nabal. A tentativa de redução do défice comercial pela via do aumento das tarifas aduaneiras, deverá ter como retorno a redução e o encarecimento das importações e a contração da economia interna donde resultará uma menor atractividade dessa economia, a redução do influxo de capitais estrangeiros e a diminuição do papel internacional do dólar; mas se quer manter o valor e a importância da sua moeda – como parece resultar da ameaça de sanções a quem pense substituir o “poderoso” dólar (a expressão é, obviamente, do próprio Trump) – terá de manter os termos das trocas internacionais, sem grandes acréscimos de tarifas nem entraves ao comércio.
Na ausência de uma sólida experiência pessoal e sem o evidente respaldo de uma equipa dotada da adequada formação técnica, usando e abusando de uma intuição puramente comercial e da sua famigerada estratégia propagandista de criar o pânico espalhando o terror, perante a sensibilidade e o difícil equilíbrio de todas as variáveis em jogo e tal como há oito anos atrás (início do seu primeiro mandato como presidente dos EUA), o intuitivo Trump está a actuar como um elefante numa loja de porcelanas, arriscando-se a deixar apenas os cacos aos seus vindouros.