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João de Sousa

Sábado, Novembro 2, 2024

O último grito em França

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

Portugal acaba de inventar um novo produto de exportação a que os mercados dão alta cotação: a ‘geringonça’, objecto que – ainda sem homologação da poderosa Academia Francesa – se traduz por ‘brinquebalant’.

Benoît Hamon – o candidato socialista às eleições presidenciais francesas – regressou de Portugal maravilhado com o produto e este rapidamente se impôs nos noticiários e nas conversas de café.

A julgar pela sondagem que fiz aqui por Estrasburgo – e que não deve ser pior que as das empresas de sondagem americanas que vaticinaram a derrota de Trump – o ‘brinquebalant’ é a grande novidade do momento, plena de potencial eleitoral.

E o momento ajuda: Le Pen e Fillon, não conseguem desenvencilhar-se das histórias de empregos fictícios criados para amigos e família, enquanto Macron, a grande coqueluche dos meios ‘Bôbô’ (burgueses de pretensão boémia) cá do sítio encaramela a sua revolução em dislates que o apertam à esquerda e à direita e, suprema vitória, o Bill Gates sai em defesa da proposta de Benoît de taxar os robots.

Ver a sua candidatura endossada pelo homem mais rico do mundo e que, em matéria tecnológica, é tão importante como o Papa na igreja católica é um feito espectacular, tanto mais que, boa parte dos colunistas (a começar por mim) acha a proposta um disparate.

Mas para além da geringonça que António Costa vendeu a Benoît Hamon, outra geringonça, esta gerida por um outro português, está a arrasar os mercados aqui pelo hexágono, a PSA (o grupo Peugeot Citroen).

Há quatro anos, o grupo PSA era dado como acabado e em pré-falência, os seus veículos tidos por redundantes, verdadeiras geringonças prestes a passar à história. Eis senão quando os nossos amigos gauleses resolvem contratar um português para tomar conta da PSA.

E pronto: segundo o insuspeito Financial Times a PSA quer comprar a GM, um dos principais fabricantes de automóveis na Alemanha e no Reino Unido, o que põe Berlim e Londres em pânico, com a chanceler alemã a protestar contra este impertinente imperialismo do português da PSA.

Para os dirigentes conservadores alemães, o mercado é uma coisa excelente, desde que sejam eles a ganhar e, sobretudo, que estas ignaras gentes do canto sudoeste europeu não se atrevam a querer impor as suas geringonças.

Paris apressou-se a despachar o seu Primeiro-Ministro para Berlim para acalmar os nervos da chanceler Merkel e garantir que não ia deixar Carlos Tavares (o português da PSA) fechar as fábricas Opel alemãs, mandando entretanto as preocupações britânicas às urtigas (o Reino Unido com o Brexit conta pouco por aqui).

E temos assim a geopolítica a voltar ao centro da Europa. Quando há três anos atrás António José Seguro resolveu abençoar uma lista ‘Bloco Central’ para o Parlamento Europeu, a sombra alemã era por demais óbvia.

Quando Francisco Assis vem agora a público de novo reivindicar o bloco central e dar Martin Schulz como exemplo a seguir (sem prejuízo de o fazer em plena coerência com o que pensa e com o que defendeu) é obviamente a sombra alemã que se projecta no nosso rectângulo.

Mas o cenário complica-se! Se Macron se apresenta como fiel defensor da estratégia de Berlim para França e se Fillon e Le Pen disputam o patrocínio de Putin, Benoît Hamon surge como a esperança de uma França com o seu lugar autónomo na Europa e no Mundo, a liderar o Sul da Europa, fora dos cânones do ordoliberalismo alemão que desfizeram o projecto europeu.

Enfim, nada de entusiasmos precoces. Nem Carlos Tavares conseguiu ainda comprar a GM na Europa, nem Benoît Hamon conseguiu ainda construir a sua geringonça eleitoral, e nenhuma das tarefas se apresenta como fácil.

Mas o interesse e o entusiasmo voltaram à política europeia, e pela mão de portugueses. Continuação de bom São Valentim (que a indústria hoteleira francesa descobriu que afinal dura dez dias) para todos!

Estrasburgo, 2017-02-19

PS: A minha total solidariedade aos jovens paquistaneses proibidos de celebrar o São Valentim por ordem do Supremo Tribunal, num novo passo da imposição do jihadismo neste país que o torna cada vez mais parecido com a teocracia iraniana sua vizinha.

As opiniões expressas nos artigos de Opinião apenas vinculam os respectivos autores.

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