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João de Sousa

Sábado, Novembro 2, 2024

Um ataque sem precedentes à Função Pública e à ADSE

Eugénio Rosa
Eugénio Rosa
Licenciado em economia e doutorado pelo ISEG

Os números de Centeno sobre o aumento da despesa pública devido às progressões nas carreiras da Função Pública não batem certo com os do Ministério das Finanças. Um concurso para a contratação de 1.000 técnicos superiores que está paralisado ou a forma como Centeno engana e destrói os serviços públicos, incluindo a ADSE.

Neste estudo analiso, utilizando dados recentemente divulgados (3º Trim. 2019) pela Direção Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP) do Ministério das Finanças sobre a evolução dos ganhos médios dos trabalhadores da Função Pública, que inclui a remuneração base e todos os subsídios e complementos, no período 2009/2019, mostrando que o aumento da despesa publica devido às progressões nas carreiras constante do comunicado do governo de 11/12/2019 (465 milhões € em 2018; 666 milhões € em 2019; e 715 milhões €) não coincide com os dados do próprio Ministério das Finanças divulgados pela DGAEP.

Também analiso a situação atual do concurso da contratação de 1000 técnicos superiores, centralizado por decisão do ministro Centeno na Direção Geral da Qualificação dos Trabalhadores em Funções Públicas (antigo INA), que se encontra paralisado por falta de meios humanos desta Direção para fazer a avaliação de cerca de 16.000 candidatos que se inscreveram e a recusa de Mário Centeno em atribuir um orçamento para que ela possa contratar serviços externos para poder finalizar o concurso. E a ADSE está também a ser afetada por esta paralisação pois mais de 20 técnicos superiores que precisa estão também incluídos nos 1000 a contratar pelo Ministério das Finanças.

Espero que este estudo possa ser útil aos trabalhadores e sindicatos da Função Pública, trabalhadores esses cujos serviços que prestam são vitais para o bem-estar, educação, saúde e segurança de todos os portugueses e cujo esforço não é muitas vezes reconhecido.

 

Estudo

Os números de Centeno sobre o aumento da despesa pública devido às progressões nas carreiras da Função Pública não batem certo com os do Ministério das Finanças. Um concurso para a contratação de 1.000 técnicos superiores que está paralisado ou a forma como Centeno engana e destrói os serviços públicos, incluindo a ADSE

 

Nas negociações com os sindicatos da Função Pública sobre os aumentos de salários o governo, para justificar a sua recusa em aumentar os salários destes trabalhadores em 2020, que estão congelados desde 2009, divulgou um comunicado onde consta o seguinte quadro.

 

Quadro 1 – O aumento dos salários na Administração Pública segundo o governo

Evolução dos salários na Administração Pública
milhões de euros
2018 2019 2020
Progressões e promoções 294 540 527
Atualização salarial, revisão de carreiras e outros direitos 171 125 188
Valorização Salarial – Total 465 666 715
Aumento médio por trabalhador 2,20% 3,10% 3,20%

 

Segundo o governo, as progressões e revisões nas carreiras determinaram um aumento de despesa com os trabalhadores da Função Pública de 465 milhões € em 2018, de 666 milhões € em 2019 e, em 2020, o aumento de despesa determinados pelas progressões mais o aumento de apenas 0,3% nas remunerações destes trabalhadores, será, segundo o governo, de 715 milhões €. E daí conclui, procurando manipular a opinião pública, que o aumento médio por trabalhador foi de 2,2% em 2018, de 3,1% em 2019 e, em 2020, será de 3,2%.  E no comunicado que divulgou, não mostra a forma como chegou a tais valores, certamente porque pensa que, numa matéria tão importante para a vida de centenas de milhares de trabalhadores, não tem de dar explicações, e assim poderá apresentar os valores que quiser e não será contestado. Para além disso, também se “esqueceu” de informar no seu comunicado que há muitos milhares de trabalhadores das Administrações Públicas que não tiveram qualquer progressão na sua carreira porque ainda não tinham “10 pontos”. Mas assim vai a transparência de que tanto fala este governo. E é desta forma que procura virar a opinião publica contra os trabalhadores da Função Pública que há 10 anos têm os seus salários congelados.

 

Os números do comunicado do Governo não batem certo com os da DGAEP do Ministério das Finanças. E a diferença é de centenas de milhões de euros

Para se poder avaliar a veracidade dos dados divulgados pelo governo no comunicado que distribuiu, observe-se o quadro seguinte construído com base nos dados divulgados pela Direção Geral da Administração e Emprego Público (DGAEP) do Ministério das Finanças.

 

Quadro 2 – O aumento da despesa do Estado com os ganhos (inclui remuneração base e subsídios) dos trabalhadores da Administração Central segundo a DGAEP e segundo o comunicado do governo

 

Designação Dez. 2016 Dez. 2017 Dez. 2018 Dez. 2019 (P)
Nº de trabalhadores da Administração Central (Estado) – DGAEP 506 853 509 875 516 599 520 666
Ganho médio Mensal do trabalhadores da Administração Central (DGAEP – Ministério das Finanças) 1 815 € 1 844 € 1 876 € 1 908 €
Aumento do Ganho médio segundo a DGAEP (Ministério das Finanças) 1,6% 1,7% 1,7%
Aumento do Ganho médio segundo o Governo (comunicado divulgado) 2,2% 3,1%
Ganhos brutos dos trabalhadores das Administrações Central (14 meses) 12 879 134 730 € 13 162 933 000 € 13 567 966 136 € 13 908 030 192 €
Aumento anual de despesa com os ganhos brutos dos trabalhadores 283 789 270 € 405 023 136 € 340 074 056 €
Parcela que reverte imediatamente para o Orçamento do Estado através do IRS 56 759 654 € 81 004 627 € 68 014 811 €
Aumento efetivo da despesa com os trabalhadores do Estado (após dedução do IRS que reverte para o Orçamento do Estado) 227 038 616 € 324 018 509 € 272 059 245 €
FONTE: Direção Geral da Administração e Emprego Público – DGAEP – Ministério das Finanças

Segundo dados da DGAEP, se a análise se limitar aos aumentos apenas na Administração Pública Central (“Estado”) no período 2016/2019, como consequência das progressões nas carreiras conclui-se que  o aumento efetivo na despesa foi de 324 milhões € em 2018 e de 272 milhões € em 2019 (596 M€ nos 2 anos), e não 465 milhões € e 666 milhões € (1131 M€ nos 2 anos) como o governo refere no seu comunicado (qd.1). Admitindo que aqueles valores eram repartidos por todos os trabalhadores do Estado, o que não aconteceu pois muitos milhares de trabalhadores não tiveram quaisquer progressões nas suas carreiras pois não tinham os “10 pontos”, o aumento médio seria de 1,7% em 2018 e 2019, e não de 2,2% e 3,1% como refere o governo no comunicado. Assim vai a transparência, de que este governo tanto fala, e não se olha a meios para manipular a opinião pública.

Analisemos agora a evolução dos salários para todas as Administrações Públicas (Central, Local e Regional) no mesmo período. O quadro 3, construído com base em dados também divulgados recentemente pela DGAEP do Ministério das Finanças, permite fazer a análise para 2016/2019.

 

Quadro 3 – Evolução da despesa com pessoal nas Administrações Públicas segundo
a DGAEP do Ministério das Finanças e segundo o governo

Designação Dez. 2016 Dez. 2017 Dez. 2018 Dez. 2019 (P)
Nº de trabalhadores da Administração Central (Estado) – DGAEP 664 168 669 321 683 708 691 777
Ganho médio Mensal do trabalhadores da Administração Central – DGAEP 1 677 € 1 702 € 1 726 € 1 783 €
Aumento do Ganho médio segundo a DGAEP (Ministério das Finanças) 1,5% 1,4% 2,1%
Aumento do Ganho médio segundo o Governo (comunicado divulgado) 2,2% 3,1%
Ganhos brutos anuais dos trabalhadores das Administrações Central (14 meses) 15 948 580 788 € 16 521 120 112 € 17 074 439 914 €
Aumento anual de despesa com os ganhos brutos dos trabalhadores (Administração Central, Local e Regional) 572 539 324 € 553 319 802 €
Parcela que reverte imediatamente para o Orçamento do Estado através do IRS 114 507 865 € 110 663 960 €
Aumento da despesa efetiva com os trabalhadores das Administrações Públicas (após dedução do IRS que reverte para o Orçamento do Estado) 458 031 459 € 442 665 842 €
Aumento da despesa segundo o Governo 465 000 000 € 666 000 000 €
FONTE: Direção Geral da Administração e Emprego Público – DGAEP – Ministério das Finanças

Segundo a DGAEP do Ministério das Finanças, os aumentos efetivos de despesa verificados nas  Administrações Públicas (Central, Local e Regional) no período 2016/2019, como consequência das progressões nas carreiras foi de 458 milhões € em 2018 e de 442 milhões € em 2019 (900M€ nos 2 anos), e não dos 465 milhões € e 666 milhões € (1131M€) como o governo refere no seu comunicado (quadro1). Admitindo que aqueles valores eram repartidos por todos os trabalhadores do Estado, o que não aconteceu pois muitos milhares de trabalhadores não tiveram quaisquer progressões nas suas carreiras, pois não tinham “10 pontos”, o aumento médio bruto seria de 1,4% em 2018 e de 2,1% em 2019, e não de 2,2% e 3,1% como refere o governo no seu comunicado. A falta de transparência é evidente e o propósito de virar a opinião publica contra os trabalhadores da Função Pública é claro.

 

A contratação de 1.000 técnicos superiores pelo Ministério das Finanças para o estado, ou a forma como Centeno engana e destrói os Serviços Púbicos, incluindo a ADSE

Na ADSE há mais de 600.000 documentos recebidos dos beneficiários que utilizam o Regime livre por tratar, o que unido à falta de pessoal, determina enormes atrasos nos pagamentos aos beneficiários que utilizam este Regime, atrasos  em muitos casos já superiores a 3 meses (recebo muitos e-mails de beneficiários a queixarem-se que entregaram documentos há 5 ou mais meses para serem reembolsados cujos pagamento continua por se fazer). A ADSE necessita de mais 70 trabalhadores (técnicos superiores e assistentes técnicos) para poder funcionar normalmente, ou seja, para eliminar os enormes atrasos que existem nos pagamentos aos beneficiários, para controlar a despesa e combater eficazmente a fraude e o consumo desnecessário muitas vezes promovido pelos prestadores. Desde 2018 que sabe-se desta necessidade, mas as representantes do governo no Conselho Diretivo, que decidiram ficar com o pelouro de pessoal, retirando-me, nada fizeram durante muitos meses  para resolver este problema. Só foi depois da denuncia pública divulgada pelos media de elevados atrasos nos pagamentos aos beneficiários que, em Março de 2019, e após o próprio Secretário Adjunto da Saúde ser confrontado com essa questão e ter respondido que não tinha recebido qualquer pedido da ADSE, é que  as representantes do governo na ADSE começaram a preparar o pedido.

Mas em 30 de Abril de 2019, por decisão do ministro Centeno é centralizado no Ministério das Finanças (na Direção Geral da Qualificação dos Trabalhadores em Funções Públicas, antigo INA) os concursos de Técnicos Superiores. E esta Direção (ex-INA) lançou um “procedimento de recrutamento centralizado” para 1000 Técnicos Superiores (Portaria 125-A/2019)  Concorrem mais de 16.000 candidatos segundo os media. Mas o concurso está paralisado porque a Direção Geral de Qualificação dos Trabalhadores em Funções Públicas não tem meios para fazer a avaliação dos candidatos que se inscreveram, e Centeno não atribui um orçamento para que esta Direção possa adquirir externamente meios. E corre-se o risco que no Orçamento do Estado para 2020 não lhe seja atribuído o orçamento que precisa para poder finalizar o concurso, e os serviços públicos, entre os quais a ADSE continuarão a não ter os técnicos que precisam (só a ADSE, são mais de 20).  É utilizando também estes processos que Centeno consegue eliminar o défice orçamental, mas estrangula e destrói os serviços públicos. No entanto, assim garante a sua carreira internacional.

Idêntica situação se verifica em relação aos Assistentes Técnicos (mais de 40)  que a ADSE precisa. O concurso externo para a contratação destes trabalhadores é da responsabilidade da ADSE. Mas a ADSE, tal como sucede com ex-INA, não tem recursos humanos para o fazer. E para poder contratar externamente precisa de autorização de Centeno. Com o atraso na aprovação do Orçamento do Estado para fevereiro de 2020, o orçamento da ADSE para 2020 só poderá ser utilizado provavelmente em março de 2020. E até esse mês a ADSE estará impossibilitada de fazer contratos de aquisições de serviços mesmo para “compra de horas a empresas de trabalho temporário” para colmatar a falta de trabalhadores. Portanto é de prever que os atrasos nos pagamentos aos beneficiários se agravem ainda mais. É o alerta que queremos deixar e responsabilizar o governo.<(span>



 

 


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