A expressão “jornalismo cínico” é usada nos estudos americanos para classificar o cinismo com que os jornalistas tratam os actores políticos tratando-os como culpados até provarem ser inocentes. Uma notícia de hoje exemplifica bem o conceito:
“Lembra-se de Lacerda Machado? António Costa, o amigo e afilhado, nunca o esquece. E, segundo o Público, acaba de prolongar por mais seis meses o contrato de consultadoria com o Governo, para que o advogado continue a fazer o que quer seja que faz.” (Expresso curto)
Vejamos: a renovação do contrato de Lacerda Machado foi publicada em primeira mão pelo Público, que identifica Lacerda como “amigo confesso do primeiro-ministro António Costa” , o que é repetido por todos os jornais que “picam” a notícia. Na RTP teve destaque no Jornal da Tarde mas em vez de “amigo” Lacerda é citado como “advogado da confiança pessoal do primeiro-ministro”.
Embora sem o “requinte” do texto do Expresso, a notícia contém em todos os meios o pormenor de o advogado ser “amigo” do primeiro-ministro, surgindo essa particularidade como o mote da notícia. Dir-se-ia que sem ela não haveria notícia porque renovação de contratos de assessores deve haver todos os dias.
Se as críticas à ausência de contrato no início da colaboração de Lacerda Machado com o governo se justificaram, hoje a menção de ser amigo do primeiro-ministro só pode ser lida como uma tentativa de diminuir Lacerda e criticar Costa.
Um leitor que não tenha acompanhado a polémica da primeira nomeação, pensará que Lacerda Machado é um daqueles “boys” que os partidos e os governos têm a fama de contratarem, sem outras qualidades que o recomendem senão a amizade com o primeiro-ministro.
De facto, não se ouviu que Lacerda Machado seja incompetente, ou que tenha forjado habilitações ou tido qualquer falha nas tarefas de que foi incumbido nem ninguém questionou a sua competência técnica. Porque se continua então a mencioná-lo como “amigo” do primeiro-ministro? O que é que essa qualidade acrescenta à notícia?
Acresce que o facto de o primeiro-ministro e o próprio Lacerda Machado terem assumido a longa amizade que os une não justifica que os jornalistas usem essa ligação pessoal para semearam a dúvida sobre as razões da sua contratação. Não se espera que os jornalistas sejam simpáticos e carinhosos para com os actores políticos mas espera-se que, pelo menos, não sejam excessivamente cínicos.
Artigo publicado originalmente no blog VAI E VEM