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Sábado, Novembro 2, 2024

Um museu de grandes novidades

João Ricardo Costa Filho
João Ricardo Costa Filho
Professor do Mestrado Profissional em Economia da Fundação Getúlio Vargas/EESP e Professor da Faculdade de Economia da FAAP

O mundo assistiu um movimento de liberalização financeira, na qual o capital movia-se livremente, os mercados integravam-se e as inovações financeiras atraiam cada vez mais os recursos daqueles ansiosos por retornos acima dos sóbrios títulos de renda fixa das economias avançadas.

Uma crise financeira de proporções astronômicas pôs em cheque a mobilidade do capital e certos controles foram instaurados. O mundo ao recuperar-se da crise debate a importância da regulação dos mercados financeiros e ao afastar-se dessa, caprichosamente “esquece” o porquê da regulação. Obviamente, refiro-me do começo até meados do século 20.

Não, você não leu errado. O ambiente econômico internacional na primeira metade do século passado lembra muito do que estamos vivendo. Neste século, a chamada ‘Grande Moderação’ (período de crescimento sustentado e pouco volátil, acompanhado de uma inflação baixa e controlada) deu espaço para a Crise de 2008, a maior desde a Grande Depressão. Em decorrência das semelhanças dos dois períodos emerge uma dúvida: estamos condenados a repetir os erros do passado?

A Crise financeira de 2008 e a Grande Depressão

É verdade que o número de crises tem aumentado desde a década de 1970 (após o fim de Bretton Woods), mas nenhuma delas teve a proporção da que assolou o mundo após emergir de problemas no mercado imobiliário norte-americano e ganhar o globo (ou melhor, os países desenvolvidos, pois as economias em desenvolvimento sofrem pouco tempo com a crise). Após a Grande Depressão o mundo teve que lidar com a ascensão do nacionalismo, com políticas comerciais protecionistas e com a lenta recuperação econômica. Lembra-te alguma coisa?

Sem dúvida há como argumentar que, ao menos do ponto de vista econômico, a situação não é lá a mesma. Com Milton Friedman e Anna Schwartz nós aprendemos que a história monetária dos EUA condena a atuação do Federal Reserve durante a Crise de 1929 e com Ben Bernanke descobrimos que países que demoraram em abandonar o padrão-ouro sofreram mais do que aqueles que o fizeram rapidamente. Nós, inclusive, pudemos utilizar esses ensinamentos para que as escolhas de política econômica durante a crise de 2008 fossem diferentes. O próprio Bernanke já havia assinalado em um discurso que sim, o Fed havia errado, mas caso houvesse o risco de algo semelhante, nós já sabíamos o que fazer.

A deflação era o grande medo. Foi ela que tornou o evento uma “depressão”. Ao evita-la, experimentamos “apenas” uma Grande Recessão. O que mudou?

A literatura de política econômica evoluiu muito. Afinal, antes de 1946, nem existia a macroeconomia, ao menos do ponto de vista da ciência econômica, claro. Keynes publicou um livro muito influente, criou uma nova área dentro da economia e devemos muito a ele no que tange a compreensão do episódio. Mas, como disse Lawrence Summers, talvez seu maior erro tenha sido de chamar a sua teoria de “geral”.

Com o passar do tempo nós entendemos melhor os efeitos das expectativas na economia, como conduzir a política monetária, o que esperar da política fiscal, e como desenhar uma política cambial. Eventos como a Crise de 2008, a Grande Depressão e a década de 1990 no Japão trouxeram a necessidade de novos instrumentos, chamados de não-convencionais. Mas desta vez estávamos mais preparados.

Ideologia ou ciência?

Por questões mais ideológicas do que científicas, deixamos a política fiscal ser contracionista no momento errado em países desenvolvidos (no EUA, especialmente nos entes subnacionais, e na Europa) enquanto ficou frouxa por tempo demais em outras economias (como o Brasil, por exemplo). O mundo escolheu a política monetária como a protagonista da recuperação, talvez porque ela tenha causado/piorado a Grande Depressão, em detrimento da política fiscal. Era a oportunidade para que ela se redimisse.

Para enfrentar a crise de 2008 o mundo presenciou uma injeção maciça de recursos por parte dos bancos centrais, especialmente nos EUA, na Europa e no Japão. Isso fez com que a deflação não emergisse. Isso fez também com que o fluxo de capital ficasse minimamente sustentado. E fez toda a diferença.

No século passado, duas guerras e uma depressão culminaram na resolução coordenada para o desenvolvimento global. Uma nova arquitetura monetária emergiu assim como diversas instituições multilaterais. Mas esse movimento não veio antes das ofensivas nacionalistas e protecionistas. No século passado, nós escolhemos o isolamento. E custou caro.

Neste século, o mundo começou de maneira diferente, com mais recursos de política econômica e capital “de sobra”. Mas ainda teimamos em seguir os passos do século passado. Governos têm sido eleitos (ou candidatos ganham mais destaques nas pesquisas) ao defender práticas nacionalistas e protecionistas. Os ganhos da segunda metade do século passado não parecem servir para lembrarmos que é através da integração, e não do isolacionismo, que as nações se desenvolvem. Nós demoramos muito tempo para entender como aumentar a riqueza das nações. Agora flertamos com o caminho inverso.

O mundo no século 20 alicerçava-se nos regimes de cambio fixo, que acomodam com dificuldade choques assimétricos (veja as disparidades na recuperação dos membros da Zona do Euro). Hoje o colchão de proteção é – muito mais do que no passado – mais flexível. O ajuste via taxas de câmbio flexíveis é mais rápido e pode ser menos doloroso. Mas isso não significa que dá para pular do topo do prédio. Deveríamos utilizar o excesso de capital, o desenvolvimento financeiro e a arquitetura monetária internacional para realocar recursos de uma forma que o mundo ficasse mais rico. O ‘dilema’ é que somos ‘prisioneiros’ de ideias equivocadas.

Texto original em português do Brasil

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