A reestruturação da Caixa por Salazar
Logo a seguir ao 28 de Maio, ainda no tempo da Ditadura Militar, foram definidas orientações para a restruturação do Banco de Portugal e da Caixa Geral de Depósitos. A reestruturação da Caixa foi desenhada por António de Oliveira Salazar julgo que com base numa encomenda que lhe foi feita enquanto Professor, ainda antes da sua chamada em Abril de 1928 a Ministro das Finanças, e o novo Ministro aplicou de imediato aos créditos detidos pela CGD sobre o Estado medidas de consolidação(i) – Os diplomas de reestruturação propriamente ditos seriam contudo publicados em pacote em suplemento ao Diário do Governo de 27 de Março de 1929: Decreto 16 665 (Reorganiza a Caixa Geral de Depósitos, cuja denominação é modificada e na qual ficam incorporados serviços de crédito e de previdência de conta do Tesouro ou de cofres públicos(ii), Decreto 16 666, Decreto 16 667, Decreto 16 668, Decreto 16 669 – Regula as aposentações dos empregados públicos, cria a Caixa Geral de Aposentações e estabelece os quadros do seu pessoal.
Note-se que os estabelecimentos bancários do Estado não ficaram sujeitos às normas da Contabilidade Pública(iii).
A Caixa é Estado?
Conheço mal a evolução institucional da Caixa Geral de Depósitos, da qual sou há muito tempo cliente e através da qual o Estado me pagou durante muito tempo o meu vencimento enquanto seu funcionário e mais recentemente a minha pensão; foi o banco que me apoiou numa primeira aquisição de habitação própria e permanente em Telheiras e mais tarde na mudança de habitação para o Parque das Nações.
Recordo apenas uma dificuldade com o então gerente do balcão do Terreiro do Paço quando em 1986 e 1987 lhe pedi um pequeno serviço que todos os bancos prestavam na altura(iv) e me respondeu que a Caixa era Estado e ele me ia explicar o que era o Estado.
Julgo que os meus leitores habituais já me conhecem suficientemente para acreditarem que tudo se resolveu conforme os meus desejos, poupando-se ao meu interlocutor o trabalho de me explicar o que era o Estado.
Neste momento é uma sociedade de capitais públicos, mas quem não o é no sector público?
A Caixa é um Banco?
No fundamental a CGD é um Banco, que actua no mercado, tendo contribuído para a reestruturação do sector com primeiro a gestão, depois a integração, do Banco Nacional Ultramarino, antigo Banco Emissor das colónias (excepto Angola) e escapado de absorver o antigo BPN – Banco Português de Negócios e o BANIF bem como de apoiar o BES – Banco Espírito Santo.
A CGD todavia fez pior: financiou na era de Sócrates vários empresários em operações de mero investimento financeiro e sobretudo a aquisição de um banco concorrente – o BCP – tendo-se transferido para a administração deste o Presidente do Conselho de Administração da CGD e dois dos administradores desta que autorizaram a operação, que parece ter sido efectuada sem instruções da tutela.
Já escrevi sobre isto, e à distância de seis anos, confirma-se que ninguém foi preso nem sequer processado O que o Parlamento pode – e talvez deva – fazer sobre a CGD.
Repare-se que como cliente não tinha nesta altura e não tive até há pouco tempo grandes razões de queixa da CGD. A Directora da Agência de Telheiras, que julgo ter montado o balcão, geria – o com dinamismo e os seus sucessores não deram margem a reparos. Quando se atribuíram gestores de conta a clientes fui sempre relativamente bem apoiado tendo aqui – e noutros bancos – a preocupação de à partida transmitir a imagem de um cliente avesso ao risco, nunca subscrevendo aplicações que pudessem acarretar perda de capital.
A informatização, que poderia ser factor de complicações, era para mim gerível enquanto cliente. Apenas uma vez, tendo recebido indicação que uma determinada aplicação tinha rendido precisamente 0,0 % do capital investido, com o que o meu interlocutor Caixa se congratulava, tive de concluir que a dita Caixa não servia para aplicar dinheiro dos clientes a não ser na modalidade de depósito a prazo, que durante muito tempo deixaram de ser remunerados.
Passou-se a COVID (que está de volta), a inflacção (que está para durar), e dei por mim afastado da Caixa de Telheiras – onde já não conheço ninguém – no entanto quase por acaso fiz-me atender num dos balcões da zona do Parque das Nações e fui informado – vantagens da informatização – que poderia pedir à CGD que a conta por mim aberta em Telheiras passasse a ser gerida a partir de um desses balcões. Assim se pediu, voltei a fazer um depósito a prazo e a confiar… na funcionária que me atendeu que nas organizações já aprendi não se poder confiar.
Um banco que ameaça os clientes com o bloqueio das suas contas?
Percebo que a compressão dos encargos com pessoal exige um largo recurso à informatização mas por razões inclusive de segurança não me agrada a integração do meu telemóvel nos procedimentos de segurança bancários. Criei um ficheiro de Caixa Directa, que usei muito pouco, mas há semanas perdi o acesso a ele por, tendo mudado de telemóvel para um modelo mais complexo, não ter acertado com a introdução dos códigos que ia recebendo por SMS com prazo de utilização de 2 minutos. De forma que recebi num fim de semana uma mensagem com indicação de “contrato cancelado” (sic) que me sugeria resolvesse a situação por telefone ou numa Caixa Automática (sic). Ora numa visita anterior a Agências da Caixa já tinha reparado que as caixas que ostentavam a menção “Caixa Automática” tinha sido suprimidas.
Seguiram-se, durante o passado mês de Junho, 4 deslocações – 4 à “minha” nova agência. Que já não se encontrava organizada para resolver os meus problemas mas para os agravar. A funcionária que promovera anteriormente a gestão da minha conta por essa agência já não trabalhava lá. Os clientes são atendidos de acordo com senhas obtidas numa máquina. Questões relacionadas com Caixa Directa são tratadas nas senhas “X” .
Na minha primeira deslocação fui chamado para o maior dos espaços por alguém que não se identificou, mas que depois percebi ser a Directora da Agência – pela dimensão do espaço e pela assertividade da argumentação expendida. Explicou-me que era necessário para satisfazer exigências do Banco de Portugal completar informação sobre mim. Preparei-me para tentar obter facturas comprovativas da minha morada permanente, mas bastou-me assinar uma declaração a dizer que os elementos já na posse da Caixa se mantinham. Desburocratização que aplaudi. Mas logo se seguiu a exigência de que eu comprovasse a qualidade de aposentado ou reformado. Fiquei admirado com esta preocupação quando a minha pensão é paga há dez anos por crédito da Caixa Geral de Aposentações na minha conta da CGD.
Diz-me então a minha interlocutora, a que, para efeitos da presente crónica, me passarei a referir como “Dra Caixa”, que a CGD não tem qualquer prova de que eu seja aposentado ou reformado, mas que certamente a CGA me enviava anualmente declaração comprovativa das pensões pagas ou que poderia passar pelo site desta para obter comprovação. Mas a “Dra. Caixa” indo mais longe, diz-me que um cartão da Ordem dos Economistas que estaria no meu processo já não comprovaria que exercesse a função de economista pois que sendo aposentado ou reformado já não poderia exercê-la. Ela própria estava inscrita numa Ordem mas não exercia a actividade. A Lei não diz nada disto e ainda pensei em apresentar um comprovativo de inscrição nas Finanças como economista mas a “Dra. Caixa” estava lançada. Esclareceu-me ainda que eu já não podia ter gestoras de conta e que as operações de Caixa Automática ainda podiam ser feitas numa das Caixas Multibanco da Agência, embora já não identificadas como tal. E informou-me sobre os custos – que tinha na ponta da língua – de pedir extractos de conta fora das funcionalidades de Caixa Directa.
No dia seguinte, terça feira, efectuo a minha segunda deslocação á Agência Balcão, e tiro novamente uma senha “X” – Caixa Directa. A “Dra. Caixa” vê-me perfeitamente a aguardar, mas chama uma série de “Senhas A”. Acabo por, ao fim de algum tempo de espera, ser atendido por um subordinado, a quem entrego um “cartão de pensionista” emitido há dez anos pela Caixa Geral de Aposentação. Diz-me que poderia tê-lo digitalizado, mas explico que nunca precisei dele e que de qualquer modo a CGD, através da qual a CGA paga a minha pensão há dez anos, sabe perfeitamente que sou pensionista. Não consigo tratar de restabelecer a minha ligação à Caixa Directa por o meu telemóvel só ter 15 % de autonomia. Levei contudo indicações dos menus que teria de percorrer para activar a ligação, só que não o consegui fazer em caixas multibanco que me respondem “Por dificuldades de comunicação não é possível satisfazer o seu pedido”.
De forma que na sexta-feira dessa semana tem lugar a minha terceira deslocação à Agência, tirando novamente uma Senha “X”. A “Dra. Caixa” vê-me perfeitamente mas, mais uma vez, não me chama, e acabo atendido por um segundo subordinado. Entretanto consigo, ainda antes de ser atendido, resolver a situação na caixa multibanco que também exerce funções de Caixa Automática”
Já em casa, consigo também aceder ao Caixa Directa, depois de definir uma nova password, e levado pela curiosidade encontro múltiplas comunicações da CGD a avisar-me do crédito na minha conta de pensões pagas pela Caixa Geral de Aposentações. Sou entretanto avisado pelo Caixa Directa de que irá ser enviada uma notificação da CGD, sendo-me pedido que escolha um canal(vi).
Domingo recebo uma carta da CGD, numerada, datada de alguns dias antes, com remetente da “minha” Agência, mas assinada por uma tal Elsa, Centro de Operações, Directora Central que começa assim:
“Evite o bloqueio da sua conta, continue a utilizar o Caixadirecta sem restrições e a ter acesso aos nossos produtos e serviços”
Na segunda feira seguinte, estou mais uma vez caído, em quarta deslocação, na “minha” Agência. Selecciono mais uma vez uma senha “X”. De novo a “Dra Caixa”, apesar de me ver, não me chama. Sou atendido por um terceiro subordinado, aliás desta vez uma subordinada. Exibo a carta, pergunto o que pode ser isto do “bloqueio da conta” e recebo exemplos. Entretanto informam-me de que a carta, apesar de ter a Agência como remetente, não tem origem nela. Recordo-me que Paulo Macedo, actual CEO da CGD, já foi Director-Geral dos Impostos, em que o Director-Geral assinava cartas que depois são tratadas nos serviços locais de finanças. A minha carta terá sido enviada “automaticamente” ? Não percebo porquê, uma vez que, com toda a correcção, a minha interlocutora me informou de que os meus dados são considerados válidos até 2029.
Não tenho empenho em voltar a ver a “Dra. Caixa” e acredito que o sentimento seja recíproco. Entretanto já ouvi falar de outras pessoas que receberam esta carta da “Directora Central”. A Caixa Directa é aliás para mim um perigo, uma vez que não me dá jeito aceder-lhe com frequência e a CGD pode enviar-me comunicações de que eu não me apercebo. Paulo Macedo recentemente afirmou que a CGD tinha uma clientela granular. Excelente, não lhe criará problemas perder um grão.
Não posso acabar com a conta de uma vez só: tem autorizações de débito em conta a favor de numerosos fornecedores, um cartão de crédito para pequenos pagamentos internacionais que regularizo todos os meses. Uma coisa contudo posso fazer: pedir à Caixa Geral de Aposentações que passe a creditar o valor da minha pensão por serviço ao Estado português em conta aberta num banco espanhol.
Notas
(i) Decreto nº 15 806, de 1 de Agosto de 1928 (Autoriza o Govêrno a converter num só empréstimo os empréstimos realizados na Caixa Geral de Depósitos pelo Estado ou serviços dependentes).
(ii) Ver o Salazar, Vol I, de Franco Nogueira.
(iii) Decreto 15 465 de 14 de Maio de 1928 (Promulga a Reforma Orçamental).
(iv) Tanto quanto me lembro, de depósito de títulos.
(v) Isto é, Armando Vara foi condenado e esteve preso, mas não por causa desta operação.
(vi) Escolhi o correio electrónico.