DESESPERADAMENTE CALMA
Uma data nada igual a qualquer uma, Natal é para muitos a confirmação do amor de Deus.
Para outros apenas o dia da família, e para alguns uma mentira enfeitada com jogos de luz e alimentada por gastos impulsivos.
O pinheiro não nos representa em nada ,mas em África são compradas milhares de árvores de natal… pronto, é natal e cada um faz a alegria do seu bolso. Mas um imbondeiro tem África…
Natal é dia de reconciliação, dia de limpeza, dia do abraço solidário. Há mais prazer em dar do que em receber, mas receber também kuya…
Há pessoas desfavorecidas, em condições de extrema pobreza e é ai onde deve começar o natal. Já alguma vez repartiu o seu cabaz com alguém? Faça uma campanha em casa, há muita coisa que talvez já não precise: roupas, brinquedos, utensílios domésticos, restos de material de construção… Muita coisa que faz a alegria de quem não tem nada.
Enquanto uns depenam o perú, outros nem uma sardinha têm para escamar…
O Natal mais lindo da minha vida
Era véspera de Natal, a Avó Filipa já estava meio velhinha e a cegueira, progredia insistentemente mas nada tirava à sua alegria e espontaneidade. O curral estava repleto e já tínhamos escolhido o leitão a abater, e para beber teríamos o garrafão de vinho e a grade de gasosa do cabaz de natal de loja do povo.
A avó acordou-me cedinho e pediu-me que fosse para a loja, para não ficar no fim da bicha (fila) e então receber o nosso cabaz; quando lá chegamos a Mizé (Loja do povo) estava repleta de gente, eram por volta das 6h30 min. Vimos uma bicha que se estendia para lá do horizonte, ainda assim aguentamos … e mais ou menos às 17 h chegou a nossa vez, o vinho, o bacalhau e a batata já tinham acabado, informou-nos a senhora da loja. Vamos marcar aqui no cartão e voltem no dia 27…
Minutos depois saímos com os cestos repletos de arroz, feijão, óleo maná, açúcar , leite pelargón, cerelac, amêndoas, uvas secas, sabão, manteiga, trigo e frango.
Para nós apenas o leite, o cerelac e as guloseimas interessavam, mas para a avó, isso eram apenas distracção, pois não enchia barriga como o arroz e feijão. E como não tinha luz no musseque e não tínhamos nem uma geleira de petróleo, tivemos de comer o frango, antes do natal. O quintal encheu-se de netos que trepavam as árvores repletas de frutos, comíamos as mangas maduras e as verdes também não nos escapavam…
Na manha de 24 de Dezembro descobrimos que o leitão que tinha sido marcado para o abate, já não era um leitão. Estava prenha… isso é sinal que no próximo natal teremos mais carne… e quando ela parir pode cada um escolher o seu porquinho.- Disse a nga Filipa.
Quase que explodíamos de alegria.
O gaz tinha acabado, então trepamos em todas as arvores do quintal para recolhermos ramos secos, para cozer o feijão que era mesmo duro. Enquanto o feijão cozia, a avó atirava para as cinzas quentes batata-doce para assar. Não tínhamos cabaz, não tínhamos árvore de natal, mas tínhamos uma avó que não media esforços para unir a família.
Ao jantar a avó serviu-nos arroz com feijão. Estávamos tão felizes que trocávamos pedaços de toucinho e gritávamos nataléééé.
Era natal lá no quintal da avó Filipa, sentados na esteira os seus netos e filhos dos vizinhos, dormiam inocentes e felizes, cobertos com uma manta de remendos, e ela no seu cantinho murmurava infindáveis orações de agradecimento. Olhei para ela, sorriu para mim e disse dorme minha neta, o importante é a saúde.
Em memória da minha querida avó que morreu num dia de natal aos 105 anos.
A autora escreve em PT Angola