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Sexta-feira, Agosto 23, 2024

Uma “gralha radiofónica”

José M. Bastos
José M. Bastos
Crítico de cinema

A palavra gralha é habitualmente associada à forma tradicional da imprensa, agora designada por imprensa escrita. Trata-se da omissão de letras ou palavras inteiras, ou troca de letras numa palavra, e que levam o leitor a interpretar um texto de forma diferente, por vezes antagónica, em relação àquilo que o escriba queria transmitir.

São célebres as “gralhas” do britânico The Guardian que por via disso passou para muitos a ser “The Grauniad” ou uma edição em inglês da Bíblia que, na enumeração dos 10 Mandamentos, não grafou a palavra not em “Thou shalt not commit adultery” (Não deverás cometer adultério) e, em consequência, passou a ser conhecida como a “Bíblia Adúltera”.

Também por cá ficaram célebres algumas gralhas. Lembro-me de na minha juventude ser muito falada a publicação em O Primeiro de Janeiro da “CONTA GERAL DO ESTADO” de um dos anos da década de 60 do século passado. A toda a largura da página (e ainda o tablóide não era generalizado e estamos, por isso, a falar de páginas que eram quase um lençol) o título apareceu sem o “T” na primeira palavra.

Desconheço quais terão sido as consequências para os autores ou responsáveis por este incidente que, por muitos, foi interpretado como uma manifestação de oposição à ditadura salazarista.

(Permitam-me aqui um pequeno aparte para referir a satisfação que me deu, quando o funeral de Mário Soares parou à porta do Colégio Moderno, ter ouvido um aluno referir-se à luta do falecido contra o “regime colonial-fascista”. Pelos vistos ainda há lugares e instituições que preservam a memória. Ainda bem.)

Mas voltemos ao nosso tema. Um amigo meu, no início dos anos 70, na altura também estudante, ganhava uns cobres a fazer o papel de revisor de imprensa. Tal como muitos outros, tinha a obrigação de ler, até às primeiras horas da madrugada, o Jornal de Notícias e de detectar as tais “gralhas” antes de a edição seguir para as rotativas. Mas, de vez em quando, elas apareciam. O caso mais desagradável terá acontecido quando no anúncio de uma Missa de 7º Dia, a família agradecia antecipadamente a todos os que se associassem àquele “peidoso acto”. Não houve piedade (nem “peidade”) para o infeliz que deixou que a “gralha” pousasse no texto.

Depois vieram os processadores de texto e os correctores automáticos e os revisores de imprensa foram dispensados. Foi por isso sem espanto que li, algum tempo depois, uma nota sobre o falecimento de um antigo trabalhador do JN que, segundo o texto, tinha sido durante muitos anos chefe da “topografia” do jornal. O corrector automático não distingue topografia de tipografia…

Agora que a imprensa é não só escrita, como falada e televisionada, as “gralhas” viram o seu campo de acção ser fortemente ampliado. E não falo sequer dos rodapés dos telejornais, que mais do que simples gralhas apresentam, com uma frequência que ultrapassa todos os limites, erros crassos de ortografia, com “Acordo Ortográfico” ou sem ele…

E, nesta altura (ou se calhar antes), o leitor já se terá perguntado a que propósito vem todo este arrazoado. Vamos então ao motivo que me levou a escrever estas palavras.

Antena 1. Sábado, 14 de Janeiro. Pouco depois das 19 horas.

Termina o noticiário e começa o programa Contraditório. Começo a ouvir e a não perceber do que estão a falar os elementos do painel. Não quero crer no que ouço. O João Soares disse que resolvia o caso com duas estaladas? O João Soares demitiu-se? Foi o António Costa que o demitiu? Percebi que alguém, na rádio, terá trocado o Contraditório da semana, por outro de Abril de 2016.

O que não percebi foi que fosse necessário esperar pelas 19h22 para suspender a transmissão e retomar o alinhamento correcto. Será que na Antena 1 não há ninguém a ouvir o programa que está a ser transmitido? Já foram dispensados os revisores de imprensa?

Na semana das cerimónias fúnebres de Mário Soares, e em que João Soares esteve obviamente em foco, esta gralha radiofónica redundou fatalmente, e por certo involuntariamente, numa “brincadeira de mau-gosto”…

Atenção!… As “gralhas” andam por aí! Quem sabe se alguma pousou neste texto…

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