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Domingo, Novembro 3, 2024

Uma guerra contra o Irã seria mais desastrosa do que a do Iraque

José Carlos Ruy, em São Paulo
José Carlos Ruy, em São Paulo
Jornalista e escritor.

Os falcões do governo Trump estão ansiosos para ir à guerra contra o Irã. Isso seria tão catastrófico que faria a do Iraque parecer antiquada.

Por Derek Davison

Durante o período que antecedeu a invasão do Iraque em 2002, a revista Newsweek informou sobre os planos do governo Bush de promover mudança de regimes em todo o Oriente Médio. Havia a ideia de derrubar a monarquia saudita, destituir o então presidente egípcio Hosni Mubarak e atacar a Coreia do Norte, ideias defendidas pela comunidade da política externa em Washington, e que encontravam variados níveis de resistência. Nenhuma teve maior apoio do que a invasão do Irã. Como um “alto oficial britânico” disse à Newsweek na época, “todo mundo quer ir para Bagdá”. Homens de verdade querem ir a Teerã.

Quando o desejo de “todos”, de ir a Bagdá, se mostrou catastroficamente equivocado, não terminou o sonho de um “livre-arbítrio seguro” no Irã (como George Bush disse sobre o Iraque), pelo menos não entre a política externa mais agressiva de Washington. Realmente, a ideia fixa dos Estados Unidos sobre a mudança de regime no Irã é muito anterior ao governo Bush. Essa campanha começou para valer no dia em que um grupo de estudantes iranianos ocupou a embaixada dos EUA em Teerã, em novembro de 1979, provocando a crise dos reféns, que durou 444 dias. A ideia intervencionista cresceu e diminuiu nas décadas seguintes, mas nunca desapareceu de todo. No momento, parece definitivamente encerrada, com Donald Trump, nestes dias, aparentemente ordenando, e depois recuando, um ataque contra o Irã.

Os falcões dos EUA estão agitados em virtude de dois ataques recentes contra petroleiros no Estreito de Ormuz e o abate de um avião de vigilância (drone) dos EUA que supostamente entrou no espaço aéreo iraniano. Em 12 de maio, quatro petroleiros foram atacados naquilo que autoridades dos Emirados Árabes Unidos chamaram de “sabotagem”, ao largo da costa de Fujairah, no Golfo de Omã. Os relatos de danos variaram de navio para navio, mas os quatro navios sobreviveram, não houve vítimas e nenhum grande derramamento de óleo. O governo Trump concluiu, sem explicar por quê, que o Irã foi responsável, e uma investigação liderada pela Arábia Saudita e pelos Emirados Árabes Unidos – os dois principais adversários regionais de Teerã – concluiu que um “ator estatal” fora responsável pelos ataques. Essa investigação não apontou o dedo diretamente para o Irã, mas a implicação era inconfundível.

Em 13 de junho, mais dois petroleiros foram atacados, novamente no Golfo de Omã, embora desta vez mais perto da costa iraniana. O método aparentemente usado neste segundo ataque parecia o do primeiro – pequenas explosões, feitas logo acima da linha d’água (para não afundar os navios), provavelmente (assim diz a história) causada por minas magnéticas.

Na sequência do segundo ataque, os EUA correram novamente para culpar o Irã. Desta vez, oficiais dos EUA alegaram ter provas – um vídeo, muito descontextualizado – que pretendia mostrar um barco iraniano removendo uma mina que não explodiu do casco de um dos petroleiros. Mais tarde, eles argumentaram que fragmentos das minas supostamente usadas coincidiam com as minas usadas pelos militares iranianos. Donald Trump insistiu que o segundo ataque tinha “o Irã escrito em toda parte”, enquanto o Pentágono começou a considerar ações adicionais no Golfo Pérsico (acabou decidindo enviar mais mil soldados para a região).

Com as tensões causadas pelo segundo ataque, o Corpo dos Guardas da Revolução Islâmica, do Irã, anunciou a derrubada de um drone de vigilância dos EUA no espaço aéreo iraniano, ao largo da costa da província de Hormozgan. Autoridades dos EUA argumentaram que o drone estava no espaço aéreo internacional. Autoridades dos EUA e do Irã trocaram acusações de imprudência sobre o incidente.

Até agora, as evidências alegadas por Trump não convenceram muitos aliados dos EUA de que o Irã teria sido responsável por esses ataques. Tanto o governo japonês quanto o alemão disseram que precisarão de mais informações antes de chegar à conclusão. O presidente da companhia japonesa dona de um dos petroleiros aumentou a incerteza quando disse que tripulantes viram “objetos voadores” atacando o navio, o que parece excluir totalmente as minas.

Até agora, apenas dois governos se juntaram à administração Trump: Arábia Saudita, que é abertamente hostil ao Irã, e o Reino Unido, que tende a seguir os EUA e que está em dificuldade para se afastar de Washington, em meio à sua situação muito confusa na União Europeia.

É claro que os iranianos abateram o drone, mas atacaram os petroleiros? Por um lado, essa questão rapidamente perde relevância – os Estados Unidos dizem que sim e podem estar se preparando para agir com base nessa afirmação. No entanto, se o Irã é responsável, agiu em resposta direta à beligerância do governo Trump.

Trump não é um fã do acordo de 2015, no qual o Irã aceitou restrições a seu programa nuclear em troca do alívio das sanções internacionais. Trump anunciou, no ano passado, que estava saindo daquele acordo. O Irã, apesar de ter cumprido integralmente o acordo, viu-se diante de uma nova campanha de sanções dos EUA, apelidada de “pressão máxima” por Trump e sua equipe de segurança nacional, incluindo o secretário de Estado, Mike Pompeo, e o conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton. Apesar de insistir que não iria repetir a Guerra do Iraque no Irã, Trump e sua equipe prometeram que as novas sanções colocariam o governo iraniano de joelhos, ou pelo menos de volta à mesa de negociações para discutir um novo acordo abrangente que abordaria questões como o programa de mísseis do Irã e seu apoio a forças regionais no Iraque, no Líbano e outros lugares.

As sanções à economia do Irã, sem dúvida, criam dificuldades, mas até agora a determinação de Teerã é grande. É possível que a resolução seja um blefe e que, à medida que a pressão econômica aumente, os iranianos acabarão não tendo escolha a não ser conversar. Mas o governo Trump tem uma política totalmente rígida, sem incentivos e, como resultado, não abre caminho para os iranianos se engajarem no diálogo sem parecer que capitularam. E, tendo já visto os Estados Unidos renegarem um acordo, o Irã tem poucas razões para acreditar que Washington negocie de boa-fé um segundo acordo ainda mais amplo.

A reação inicial de Teerã à renovação das sanções dos EUA foi esperar. Mas, confrontado com uma economia em ruínas e com a possibilidade de Trump ser reeleito no próximo outono, nas últimas semanas os iranianos têm sido mais estridentes em suas demandas aos demais signatários do Acordo (China, França, Alemanha, Rússia e Reino Unido). Eles ameaçaram reduzir sua conformidade com várias das restrições do acordo, e agora parecem estar prestes a seguir com algumas dessas ameaças, a menos que as outras partes do acordo encontrem uma maneira de proteger o comércio iraniano das sanções.

Os Estados Unidos têm chamado o movimento do Irã para reduzir a conformidade de “chantagem nuclear”, e funcionários europeus têm alertado que quaisquer movimentos precipitados dos iranianos poderiam custar-lhes a boa vontade internacional. Mas essa boa vontade internacional não beneficiou os iranianos de nenhuma forma, já que os líderes europeus parecem impotentes para se opor às sanções dos EUA e não querem correr o risco de antagonizar Trump.

Nesse contexto, os iranianos podem muito bem ter decidido que chegou o momento de fazer uma declaração mais forte, que não só expresse descontentamento com a campanha de pressão de Trump – mas também mostre a capacidade do Irã de causar ainda mais problemas sem ir muito longe, a ponto de provocar um conflito. Assumindo que a teoria é correta, esses ataques foram, obviamente, calibrados para enviar uma mensagem. Além de não causar danos sérios (lembre-se, por exemplo, de que as minas foram colocadas acima da linha d’água para evitar afundar os petroleiros), a marinha iraniana é um dos poucos atores da região que podem realizar tal operação.

As semelhanças com a elaboração da Guerra do Iraque são inconfundíveis. O Irã tem sido alvo de falcões dos EUA por anos, como o Iraque foi. Aqui, como lá, o governo dos EUA parece estar criando um pretexto para a guerra. Apenas nos últimos dois meses viu-se Bolton (cuja presença no centro dos acontecimentos é, em si, uma chamada de volta para o Iraque), criando um frenesi sobre motivos não especificados e, provavelmente, exagerados.

Segundo Pompeo, o Irã é responsável por ataques do talibã no Afeganistão, afirmação que seria risível se não fosse tão ameaçadora como uma das muitas tentativa de pré-autorizar uma guerra com o Irã sob o argumento de abuso da força militar, para, assim, escapar de uma consulta ao Congresso dos EUA.

Há uma grande diferença entre a situação atual e a guerra do Iraque: Donald Trump. Sua relutância em relação a um grande conflito militar é bastante clara desde a campanha contra Jeb Bush e o legado da Guerra do Iraque na primária republicana de 2016. Ele está supostamente ouvindo de alguns de seus amigos na TV que deveria afastar-se de uma guerra contra o Irã. Ele também mostrou uma tendência a afirmar que resolveu grandes problemas internacionais (que às vezes ele mesmo criou) sem que nada tenha realmente mudado.

Ele fez isso com a Coreia do Norte e agora parece estar fazendo com o Irã – mesmo sugerindo que ambos os ataques a petroleiros foram provavelmente “erro” de um “general ou alguém”. Ir para a guerra agora seria admitir que a “pressão máxima” falhou, e é duvidoso que o ego de Trump possa aceitar isso.

Se há risco de guerra, vem principalmente dos consultores seniores de Trump. O histórico de Bolton deixa claro que ele está torcendo por uma guerra, e Pompeo – embora mais político – parece igualmente inclinado a isso. Trump começou a ordenar que eles e seus outros conselheiros renunciem à sua retórica sobre o Irã. Mas é possível que alguém, talvez Bolton, consiga convencer Trump de que as recentes ações do Irã não justificam uma guerra total, mas um ataque militar limitado. Trump mostrou disposição para isso – na verdade, quase o fez na noite desta quinta-feira (20) – e a mídia dos EUA o elogiou por isso.

Um ataque “único” contra o Irã poderia facilmente se transformar em um conflito maior. E uma guerra com o Irã – que é maior, mais bem preparado e tem maior apoio regional do que o Iraque de Saddam Hussein – faria a catástrofe da Guerra do Iraque parecer estranha e quase nada.


por Derek Davison, Escritor. É especialista em política externa do Oriente Médio e dos Estados Unidos | Texto em português do Brasil, com tradução de José Carlos Ruy

Exclusivo Editorial PV (Fonte: Jacobin)/ Tornado


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