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Sexta-feira, Dezembro 20, 2024

Unilateralismo e sanções

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Não só a Rússia, mas o Irão, a Venezuela, a China e a Turquia, têm vindo a enfrentar dificuldades comerciais, de graus variáveis, decorrentes de sanções políticas decididas pela actual administração dos EUA. E não serão essas sanções uma forma disfarçada de proteccionismo?

O mês de Setembro de 2018 e a 73ª Assembleia Geral das Nações Unidas ficaram assinalados pela iniciativa de Donald Trump para justificar uma derrogação especial do princípio clássico do pensamento económico de comércio livre pelas sanções que a sua administração começo a aplicar a muitos competidores (ou opositores) dos Estados Unidos.

Não só a Rússia, acostumada agora a ser condenada ao ostracismo pela maioria dos países da OTAN pelo seu envolvimento na guerra de Donbass e na anexação da Crimeia, pelo supostamente manipulado referendo, ou em retaliação pelo caso Skripal, mas o Irão, a Venezuela, a China e a Turquia, têm vindo a enfrentar dificuldades comerciais, de graus variáveis, decorrentes de sanções políticas decididas pela actual administração dos EUA. E não serão essas sanções uma forma disfarçada de proteccionismo?

Por mais legítimas que politicamente possam parecer (o que se afigura pouco provável face ao direito internacional), elas justificar-se-ão apenas pelas dificuldades actuais e previsíveis da economia dos EUA em resultado da ascensão dos países emergentes?

Sanções económicas, o novo proteccionismo

Ainda não deveriam estar esquecidas as lições da Grande Crise de 1929, nomeadamente a constatação de que deverão ter sido as primeiras políticas de contracção económica que na época ajudaram a ampliar os efeitos internos e externos da implosão dos mercados financeiros, mas a realidade vivida na Europa nesta última década e especialmente a política económica adoptada do outro lado do Atlântico pela administração Trump – que inicialmente pensou tirar os EUA da rotina atacando o que a alt-right norte-americana vê como maus acordos internacionais ou multilaterais (com especial destaque para o Acordo de Livre Comércio da América do Norte, o Acordo de Livre Comércio Transpacífico e o Acordo de Paris sobre clima) – e se traduz tão só numa contestação às regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) que são os princípios do livre comércio de que os próprios Estados Unidos, depois de terem assegurado o domínio da economia mundial com as suas tecnologias e moeda – desde a criação em 1944 das instituições de Bretton Woods (FMI, Banco Mundial e GATT, agora OMC) e da adopção do plano White proposto contra o plano de Keynes (que previa a criação de uma moeda supranacional na qual nenhum país teria participação enquanto o plano norte-americano, não prevendo uma unidade monetária global, atribuía ao dólar o papel de divisa de pagamentos internacionais) que entregou aos EUA o de dominação e regulação da economia mundial através dessas instituições e do poder indiscriminado do dólar –, têm sido zelosos defensores e grandes beneficiários do mercado global de quase-monopólios naturais em sectores industriais avançados (e até em sectores tradicionais como a educação e a cultura), onde não têm tido concorrentes sérios, a par com um regime monetário e financeiro internacional que não reflecte a realidade dos processos económico e tecnológicos norte-americanos.

É também neste contexto que deve ser entendida a opção dos EUA pelas sanções económicas; inicialmente aplicado à Rússia, a pretexto da guerra do Donbass e da anexação da Crimeia, do seu envolvimento nas eleições dos EUA em benefício dos republicanos e do recurso a ciberataques contra os países ocidentais (para não mencionar a acusação sustentada pelo Reino Unido no caso Skripal), as sanções económicas assumem-se cada vez mais como compensação pelas fragilidades das medidas proteccionistas tradicionais, como reintrodução de barreiras tarifárias (além de toda a restante gama de medidas não tarifárias no comércio internacional), estenderam-se depois contra os países que negociam com a Rússia e com o Irão (depois dos EUA terem denunciado o acordo nuclear assinado pelos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança e pela Alemanha), devido à obrigação de recurso ao dólar nas suas trocas internacionais.

Assim, parece cada vez mais evidente que a aplicação das sanções pelos norte-americanos resulta, principalmente, das suas crescentes debilidades na comercialização de bens e serviços face às economias emergentes e que apenas um sistema de pagamentos internacionais baseado na sua moeda nacional (o dólar) permite, enquanto se revela cada vez mais difícil disfarçar as verdadeiras razões – a protecção do seu complexo militar-industrial a par com as de natureza geoestratégica que ajudem a limitar o poder militar de russos e chineses – que lhe estarão subjacentes e que se resumem a uma tentativa de limitação do crescimento dos concorrentes directos (China e Rússia) e da redução do desafio que sofre a sua liderança militar em regiões de conflito e tensões de alta intensidade, como o Oriente Médio ou o Mar da China.

Conclusão

No final tudo parece como se o proteccionismo e o livre comércio tivessem mudado de lado, com os países ocidentais (os EUA e a UE cujas sanções contra a Rússia implicam perdas de quota de mercado que atingem dezenas de milhares de milhões de dólares por ano) a regressarem ao modelo de proteccionismo plano económico e unilateralismo no plano político e os países emergentes (China, Rússia e Índia) a defenderem o livre comércio no primeiro e o multilateralismo no segundo.

Não sendo difícil imaginar os países emergentes a enfrentar o Ocidente no campo puramente económico, nomeadamente através da adopção de medidas sobre matérias estratégicas como os metais raros, o mesmo não se poderá dizer no plano monetário, onde o dólar continua a ser a moeda mais importante apesar das medidas já previstas e anunciadas por chineses e russos para o contrariar, pois o efeito da introdução de uma nova unidade de conta será inicialmente muito reduzido, dado o número de países que permanecerão dependentes do dólar e a persistência da ideia que os EUA (e a alta finança mundial personificada em Wall Street) continuarão a defender a sua moeda, tendo como limite a própria intervenção militar.


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