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Quarta-feira, Julho 17, 2024

Usar e deitar fora – figuras e figurões das TV’s

Carlos de Matos Gomes
Carlos de Matos Gomes
Militar, investigador de história contemporânea, escritor com o pseudónimo Carlos Vale Ferraz

‘No futuro, todos terão seus quinze minutos de fama’, afirmou certa vez o cineasta e pintor americano Andy Warhol. O artista não quis desiludir os patetas com a continuação do raciocínio: e depois de espremidos terão o destino das folhas de papel higiénico, o autoclismo levá-los-á de regresso ao anonimato. Sujos. Vendidos. Esquecidos.

Isto a propósito da Bastonário da Ordem dos Enfermeiros, a outrora toda práfrentex e omnipresente estrela da TV Ana Rita Cavaco, a quem a comunicação social, televisões sobretudo, iluminaram a estratégia de luta contra o serviço nacional de saúde com greves cirúrgicas. A q’ rida vangloriava-se de doentes sem cirurgia, de mortes até, e sorria. Era uma nursetar. Caiu-lhe a máscara. Não passava de uma deslumbrada vazia, sem eira nem beira, sem princípios, apenas com fins.

Uma gaja, como a da Associação Raríssimas, por exemplo, que utilizava, segundo relatório da Inspecção do Ministério, os dinheiros da associação para se promover e produzir. Os mesmos que a promoveram ao estrelato com jornalista, câmara e micro agora nem a conhecem. Fede.

Aconteceu o mesmo a tantos e tantas antes. Assim de repente e também perto no tempo, recordo um enfermeiro gordito que foi fazer uma purga ao intestino diante ao palácio de Belém. Desaparecido. Um polícia sindicalista de casaco cor-de-rosa que também dormiu uma noite no Jardim de Belém, nem o ouviram quando foi reformado depois de umas dezenas de faltas injustificadas. E a jovem senhora que serviu durante semanas para manter aceso o rescaldo do fogo em Pedrógão? As televisões devolveram-na ao anonimato: Já lhe espremeram as audiências. Jaz como o corpo que a Judite de Sousa utilizou para décor da sua vergonhosa reportagem.

Mas a lista de bonifrates utilizados pela televisão é infindável. Onde andam os heróis Pinto do buzinão da Ponte? E o Tino de Rãs? E o Zé Maria da gaiola da Teresa Guilherme? E até o Vale de Azevedo? E um tenente-coronel que ia fazer uma manif de cinco oficiais com espada? E o Marinho Pinto, o tonitruante causídico, bastonário dos advogados e deputado europeu? E o Camilo Lourenço, jornalista de economia e acólito de Victor Gaspar, onde oficia? Desapareceram. E um polícia judiciário especialista durante anos no desaparecimento da Maddie? E um outro cognominado durante uns tempos de super-espião, ou agente secreto, com forma de armário e Carvalho de último nome, se me recordo, alguém se interessa por ele?

Por que esconsos da comunicação social andam as vedetas do espectáculo da justiça, o juiz Carlos Alexandre e o partenaire Rosário Teixeira? O filão Sócrates deu o que tinha para dar, e foi muito, acabaram-se os directos da fama. Também o juiz Rangel que perorava sobre tudo e até futebol desapareceu. Os mais recentes defuntos públicos são o Marta Soares, substituído por um edil de Mação, com melhor aspecto e o de Manuela Moura Guedes, irrecuperável depois de vários fracassos. E o Berardo, tão filantrópico e pós-moderno, que também se esfumou dos ecrãs…

Figuras criadas pela comunicação social são chupadas e cuspidas como caroços. Julgo que o próximo figurão a ir para o lixo será o exótico e abrilhantinado advogado dos motoristas de ditas cargas perigosas e vice-presidente do sindicato. Se um conselho serve para alguma coisa, ele que vá arrecadando o que puder enquanto os amigos de hoje, de câmara ao ombro e micro em posição de disparo, não lhe forem aos arquivos e aos autotanques.

Entretanto há figuras, máscaras, que são como as pilhas Duracell, duram e duram. O mais típico é o Emplastro, o original, o que descobriu a receita da eternização contra o silêncio e o desprezo, mantendo o silêncio e desprezando os promotores de espectáculos. Segue-se o Marques Mendes, para quem a verdade e a realidade são resultados aleatórios e que entre pevides e tremoços dá oportunidade a todos de nos rirmos e bebermos uma cerveja. O Paulo Portas, um robot agora enfarpelado de blazer que parece gente séria a transmitir recados de avenças várias. Um pastorinho canonizável, o que é sempre uma mais-valia televisiva. Na ribalta mantém-se também o Observador, de onde saem missionários formatados com o mesmo sermão, mas com rostos distintos e adaptados aos bárbaros que é necessário converter.

Para quem tem alguma vida vivida nas traseiras das falsas fachadas de cenários, a relação destas personagens com as televisões lembram-me a das coristas (que também tiveram o nome de girls) das revistas do Parque Mayer (excelente filme de António-Pedro de Vasconcelos) com os empresários e encenadores. À chegada, carne fresca, iam para a primeira fila do corpo de baile dar à perna, junto ao público e debaixo da luz dos holofotes. Depois, iam sendo enviadas para as segundas, terceiras filas, até à última, já na sombra, quando o mestre dos camarins lhes ditava a sentença: filha, já deste o que tinhas para dar… mas tenho um amigo com um bar na Praça da Alegria, aqui perto… e daí até ao Intendente, até ao trottoir era sempre a descer…

Sic transit gloria mundi


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