… e um beijo como sempre acontecia quando nos mandavas ir para a cama dormir e eu repleto da minha tão calma traquinice…
Ainda ontem qual coisa qual quê, pensava eu ainda sentado naquele quintal que talvez não exista já, onde curavas e tratavas das rosas com uma mão repleta de água tão branquinha e limpa que se sentia até o sorriso delas, mas como é tão bonito poder recordar mesmo quando já é tão tarde e a noite chama-nos,
“vá, cama meninos, está na hora!”
e um beijo como sempre acontecia quando nos mandavas ir para a cama dormir e eu repleto da minha tão calma traquinice
“já vou mãe!, chiça!”
escrevia num canto qualquer da casa, da tua casa, da nossa casa, sei que te recordas dela tão quanto eu quando tão cedo saías para o trabalho.
Ainda ontem, esse amanhã na pele rosada de quem acorda sem se sentir cansado e ouvir-te era sempre tão bom, ainda te ouço e nunca serei surdo sempre que me falares com a tua trivial calma de nervos quando eu te enervava,
“estás a levar no focinho não tarda!”
as vozes das manas juntas decoravam bonecas de pano e cortavam-lhe os cabelos que inventavam com as linhas da tua costura, eu escrevia as minhas coisinhas, sabes como sempre gostei de escrever mãe, por isso sempre fui um traquina mimado.
Claro que é bom ter mãe e mesmo velhos já que importa, a sua mão ainda mesma e mesmo enrugada sabe tão bem como acariciar como quando acariciava no seu quintal da tal casa onde vivíamos e que não sei se ainda existe, acariciava as rosas que a vida nos oferecia. Uma sensação como esta talvez só se explica com abraços, a voz não atinge tal dimensão, sabemos, por isso mais abraços para que a eternidade continue entre nós mesmo depois de tudo escurecer quando a vida nos levar e fecharmos os olhos, mas o resto ficará sempre no cheiro dos lençóis onde me deitava a teu lado ouvindo-te respirar cansada. Hoje ainda os livros e as leitura e todos os sorrisos do mundo. Hoje é a soma de mais de tantos dias como todos os outros que o destino nos coloca à frente do rosto para tantos beijos e carícias e até mesmo quando te zangavas pouco me importei, o que sempre valeu mais é o que foi e ficou e tudo o que ainda está assim num zurzir tão doce, tu mãe.