Esta crónica poderia ter sido escrita a propósito de qualquer Mundial, em qualquer lugar. Apenas os nomes dos protagonistas seriam outros. O enredo, esse, é sempre igual.
Ganhamos. Não ganhamos. Isso importa? Claro: a vitória anima. Um “dos nossos” em vitória internacional emociona: BRASIL!!! Por vezes, resta-nos o tempo… Pediam sempre a emoção: catarse. Todos queriam o título, vencer é ótimo (títulos num país de “doutores”!). Mas, não lhe conheceram o valor no título de Professor (conferido por jogadores)? A sala de aula: o campo.
Irônico foi vê-lo na TV, repetindo num comercial: “Vocês vão ter que me engolir!” Duvidaram: a idade. Digo: respeito! Um professor se mede por qual corpo? Um profissional sabe quando mostrar o jogo. Um jogador sabe: antes da Final precisa afinar-se no conhecimento de si e do outro; e, se possível, sem mostrar-se. Um jogador profissional é humilde ante sua rotina: treinos, exercícios, estudos, vitórias, derrotas. Dizem: esporte é isso; a vida também! É, Guilherme Arantes:
Vivendo e aprendendo a jogar
Vivendo e aprendendo a jogar
Nem sempre ganhando
Nem sempre perdendo
Mas aprendendo a jogar”.
Entretanto, Professor, perceba melhor o animal: força aliada à razão. Até disse: “Não preciso da torcida quando o time está ganhando”. Não ouviram: um problema cultural, de educação. Quando o time mais precisou da torcida, ela se emudeceu, passiva.
França: cultura, história e sociedade composta por tantos imigrantes… Brasil: um coletivo ainda “correndo atrás” da construção da palavra: Democracia. Caetano Veloso disse: “Aqui tudo parece que é construção e já é ruína”. Vejo torcedores diante da perda chorando clamando por Deus; os incidentes internacionais da Copa; as guerrilhas de torcidas, e depois… Vejo e me comovo: 3º lugar – Croácia! Futebol: esporte coletivo.
E o Brasil, apesar de egos tão inflados pela fama, dinheiro e poder, vem demonstrando sua força na prática: na percepção do coletivo o professor se mostra; o aprendizado é mais horizontal que vertical – o capitão Dunga: bastante frio para acalmar ânimos, mas Leonardo, que sabia o que era perder a calma e ser expulso de campo, e de uma Copa, precisou conter até o capitão; o corte de Romário: de novo ele se permite estar machucado e não treinar?!…
Sinto a mão do Professor na polêmica do animal: ele seria escalado? De um lado o talento, a habilidade; de outro a agressividade e indisciplina. O animal: possibilidades e contradições. O animal ficou acuado, querendo… Confirmado nos últimos momentos, levaram-no para a França, mas deixaram-no enjaulado – reserva. Pareceu-me ouvir urros, de início; pareceu-me, a seguir, que ele estava sendo domesticado para não fazer feio, mas agir no momento devido… Mas só o soltaram nos últimos minutos; e os ânimos… Qual o problema com o animal? Somos animais racionais: o lado animal não vem na frente da razão? Contra o puro intelecto só soltando o animal!…
Nos últimos jogos, gritava: “Eu quero o animaal!” Escócia, Dinamarca, Noruega: coletivos com história, cultura suficiente para não ter preconceito contra profissões, formas de vida, nem contra o Esporte e a Educação, fazendo-os andar juntos. Nesses jogos, valeram a nossa ginga e técnica – a dança é uma forma educada da animalidade. Mas, Titãs: “Miséria é miséria em qualquer canto, riquezas são diferentes”.
Ganhamos. Mas a falta gritava: “Eu quero o animaal!” E o animal enfim solto queria fazer valer sua garra. Urrou: “bons modos” ante um jogador francês caído e contorcendo-se fingido?! Mas o humanismo e o racionalismo cartesiano – que a França legou ao ocidente, além da Copa – ensinaram-nos: não ouvir nosso lado animal; isso nos afasta do “humano”… “Humano, demasiado humano”, ensinou Nietzsche.
“Humanamente” deixaram o Ronaldinho jogar; numa real homenagem, ele deveria ter entrado, logo depois sair, e voltar no final para a consagração. Imperaram as “boas maneiras” que, inclusive, tomaram sua forma principal na corte dos Luíses de França, depois veio a Revolução Francesa, a Queda da Bastilha… – data que a França comemorou há pouco!
Nosso problema é social, cultural, educacional: não se respeita os professores, nem sua formação, nem atuação. Mal acabado o jogo, começaram a falar na substituição… Devemos reconhecer: ninguém é eterno; uma atuação profissional não é vitalícia. Mas, sem culpas, antes da Final!…
Esperemos por 2002, na Coréia e Japão; escutemos a voz de nossos profetas, como Velô: “Se oriente no ocidente, irmão”.
Este texto foi originalmente escrito em 1998, após a Copa do Mundo na França, para ser publicado em um Jornal de grande circulação, conforme conversas iniciais; porém, quando ele obteve sua forma final – até que consegui um computador…- ele foi considerado como tendo perdido o seu interesse “imidiático”… Mas acabei usando-o como “citação” em um trabalho acadêmico, algo escrito por um tal de João da Silva, filho do Nhonhô da Xica!
Texto em português do Brasil
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