Um mercado fortemente regulado pelo Estado e que funciona muito bem. Não estando sujeito à especulação não sofre crises periódicas catastróficas como os mercados bolsistas. E tem vindo a expandir-se sistematicamente, beneficiando cada vez mais pessoas. É o mercado do sangue humano.
Um exemplo, com as necessárias adaptações, para outras áreas da actividade humana.
Muitas pessoas na sequência de acidentes ou de doenças necessitam de transfusões de sangue para sobreviver. Eles constituem a procura para este produto muito especial.
Anteriormente quando alguém precisava de uma transfusão eram os familiares chegados ou amigos que se ofereciam como dadores. Um sistema ineficiente dada muitas vezes a urgência do doente e a natural demora em localizar e recolher o sangue dos dadores específicos.
O sistema actual assenta na doação não dirigida, isto é o doador não sabe a quem se destina o sangue doado. Depois de recolhido o sangue é encaminhado para as unidades de saúde que o armazenam e o administram quando necessário.
A doação é, no essencial gratuita, podendo em alguns casos comportar pequenos benefícios em espécie como, em Portugal, a isenção de taxas moderadoras no serviço nacional de saúde.
O sangue humano depois de retirado do corpo do dador deteriora-se rapidamente tendo de ser usado no máximo nas 6 semanas seguintes. Não é possível o seu armazenamento por períodos grandes. É então um produto de grande rotação, implicando que há continua necessidade da sua colheita.
Um mercado que funciona bem há muitas décadas, sem dinheiro e sem procurar o lucro apenas tendo como objectivo garantir que o sangue está disponível quando algum de nós dele precisa. Um exemplo de organização social, baseada em planeamento centralizado, que funciona sem crises nem dificuldades em equilibrar a procura com a oferta.
O sistema foi criado na URSS na década de 30 do século XIX quando o cirurgião Sergei Yudin salvou um doente que perdera muito sangue injetando-lhe sangue de um cadáver.
Muito diferente é o mercado dos produtos derivados do sangue, que utilizando o sangue gratuitamente oferecido por mais de 100 milhões de pessoas em todo o mundo, o tratam e vendem o produto final. Este é um mercado assente no lucro. Não admira, pois, que este mercado tão apetecido esteja completamente mundializado e dominado por um pequeno número de empresas oligopolistas.
Apenas cinco empresas em conjunto detêm mais de 75% do mercado mundial de derivados de sangue. Estas empresas exploram a crescente necessidade desses produtos, essenciais para doentes renais e homofílicos, para pessoas idosas, para o tratamento de vários tipos de cancro, para operações cardíacas, etc. Um mercado que tem vindo a crescer a taxas elevadas.
Nos Estados Unidos o sistema de recolha de sangue baseado na doação está a ser substituído por um sistema de mercado assente no lucro privado com a introdução de intermediários entre a recolha e as entidades de saúde e com a substituição da doação pela compra do sangue a pessoas mais pobres.
Estas empresas, verdadeiros vampiros, actuando orientados exclusivamente para o lucro, compram o sangue às entidades que o recolhem, nomeadamente à Cruz Vermelha, e vendem-no aos hospitais. Estes por sua vez cobram-no aos pacientes, excluindo os que não podem pagar.
Na perspectiva de maximizar os lucros cada unidade de sangue é vendida aos hospitais nos EUA a mais de 600 dólares. Valores que, quando multiplicados pelas unidades que cada doente necessita, excluem muitos dos tratamentos que lhe podem salvar a vida.
Uma situação que, muito provavelmente, veremos aparecer em Portugal no futuro próximo, fazendo subir o custo do sangue e impedindo o seu acesso a muitos portugueses. É preciso salvaguardar o sistema português destas tentações neoliberais.