Poema de João de Almeida Santos
para um Desenho de Filipa Antunes
VENTO DO DESERTO…
I.
Irrompeste
Como Rosto
Esculpido
Em pedra
Cinzenta,
Num dia
De encruzilhada
Entre o que foi
E o que será…
II.
Teus cabelos
Negros
Alinham-se
Ao corpo
Marmóreo
Donde saíste…E resistes
Ao vendaval
De palavras
Que o vento
Sopra,
Intenso,
Sobre ti!
III.
Talvez scirocco,
Vento espesso,
Areia
Quente
De um deserto
sem fim…Véu
Que te cobre
Docemente
Como argamassa
De mensagem
Cifrada!
IV.
E tu foges
Para dentro
De ti,
Sem sair
Desse lugar
Onde habita
A tua arte!E esculpes
Com tuas mãos
A mensagem
Que pousou
Sobre teu rosto
Em forma
De pó
Do deserto!
V.
Vem do deserto
Porquê deserto?
Aridez?
Porquê areia?
Saiu um Génio
Da lamparina
E esse vento
Arrastou
Uma Medusa
Para te petrificar?E tu,
Só com o espelho
Interior
Onde sempre
Te lês,
Ao entardecer,
Sem conseguir
Desviar
O olhar,
Vais-te
Petrificando,
Encantada
Pelo vento,
Como obra
De arte
Soprada pela deusa
Do deserto…Areia fina
E cinzenta
Que te fixa
E te deixa,
Como mensagem
Eterna,
Neste livro
Que, eu,
Do lado de cá,
Vou construindo
Dentro de mim…
Com estas letras,
Os meus riscos,
Protegido
Por mil espelhos
De onde te
Observo…
Ao entardecer!
VI.
São riscos
A três dimensões,
Os teus!
E assim
Te afago,
Ao longe,
Com estas mãos
De poeta triste
Em busca
De um rosto
Que dê forma
Ao seu desejo!São densos,
Desafiam
As finas letras
Que, meticulosamente,
Desenho,
A preto e branco,
Com cor
E luz
Por dentro,
Para melhor
Te ver
E te tocar,
Levemente,
Nesse horizonte
Onde, com elas,
Se esfuma
O meu desejo…
De ti!
VII.
Ah! Este rosto
Marmóreo
Em fuga vã
Desse lugar
Donde nunca sairá,
Como árvore
Fustigada
Pelo vento…Pedra esculpida
Por tuas mãos
Como Medusa
De ti própria,
Sem saberes
Que quanto mais
Te desenhares,
Petrificada,
Mais te elevas
Ao Olimpo
E te suspendes
Sobre estas mãos
Que, de longe,
Te acariciam
Com palavras…
Ilustração de Filipa Antunes. Abril, 2017