Às vezes trespasso-me mas só no avesso; e por dentro faço e desfaço e depois o arrependimento… A seguir, a penitência e outra vez o atrevimento esmorece …
Depois, depois volto a ser eu mesma, mesmo sem saber quem realmente sou. Uma baforada imaginária dissipa-se na neblina que cobre a minha montanhosa inquietação.
Depois penso nos desejos proibidos. Às vezes apetece-me provar um veneno para ver o extremo e saber se mata mesmo. Depois fico quieta outra vez e penso no amor, e nas relações conjugais. Ainda não entendi se é uma questão de sorte, estatuto ou contrato… às vezes, apenas comodismo talvez até mesmo inspiração, a quem se doe mesmo, mas já vi relações extremamente conflituosas, tortuosas e escravizantes e vivem juntinhos à espera do instante em que os astros convergem e uma nuvem milagrosa cobre a estufa regando-a para mais um reforço enérgico, para a espera da morte que os separe.
Às vezes, nem a natureza ajuda; às vezes, não é recíproco mas, por sermos egoístas, pensamos apenas no bem-estar que temos quando levantamos o troféu e mostramos que conseguimos cultivar aquela espécie espinhosa.
E no desfile da vida, seres desfilam orgulhosos exibindo no anelar o lustroso metal… enquanto mendigam pelas esquinas doses de orgasmos para anestesiar o ego carente, que segue a regra e exibe a dignidade.
Depois, volto a pensar na saudade, no ciúme e na entrega. É aí que me lembro de ti. E, no outro instante, o egoísmo cega a minha mente e diz que devo pensar também em mim. Mim sem ti ? Estou bem, obrigada, lembro…
Lá vai mais uma cerveja que escorre pela goela a baixo, instantes depois já sou mais capaz de notar a profundeza sentimental da música na rádio, olho pela janela com mais atenção; mais uns segundos, já consigo sorrir com os meus botões e lembrar que um dia já fui feliz…
Lembro-me que até já chorei de alegria, sinto a garganta seca e o coração nostálgico. Reabasteço o copo com antídoto e noto a marca de batom no copo e vou para o espelho. E vejo o tempo passando pelo meu rosto tatuado de rugas e no cantinho um prateado fio de cabelo coroando as minhas decepções…
O que une as pessoas? E o que os separa ?
Onde falhei? Mas porque é tão difícil perdoar?
E quando se perdoa é-se mais humano ou mais dependente?
E como perdoar alguém que não se importa se te machucou?
O telefone toca, uma boa notícia. E todas as interrogações se dissipam no deixa a vida nos levar. Lá vou, pronta para mais uma. Não sem antes terminar o copo de cerveja.
A autora escreve em PT Angola