Se cada um soubesse da vida uns dos outros, talvez pensassem todos a mesma coisa. Afinal de contas, é de diferentes e das mesmas loucuras que se trata. Ou não fosse a vida como ela é.
Olhando para o prédio em frente, num minúsculo apartamento, avista-se uma mulher nos seus sessenta anos, que pela rotina do seu dia a dia, se conclui que não tem profissão ou ocupação alguma que a faça sair de casa, ou qualquer outra vida para além da sua solidão e do seu ambiente doméstico. É nova o suficiente para não ter um emprego, alguma vida social que seja, alguma amiga, algum familiar, mesmo que distante, que a visite e a faça sair daquela vida triste e solitária. Da janela do que se percebe ser o seu quarto, ela assome muitas vezes por dia, num vem e vai constante. Mal sai de casa, e quando sai, é sempre por muito pouco tempo, para entrar de novo naquele espaço que a deve já sufocar mas que não sabe como sair dele. Estará desempregada? Nunca teve filhos? Nunca teve marido? À janela, acende um cigarro e através da fumaça, olha em redor buscando algo que só ela sabe. E volta a entrar. Liga a TV, vê qualquer coisa nela que a prende, para logo a desligar. Adormece cedo, pois todas as luzes se apagam cedo, e levanta-se também cedo, pois cada manhã, bem cedo, ela já vestida e arrumada na sua janela vendo a vida passar, não sei se a vida por ela ou ela pela vida.
Noutro andar em frente, numa outra rua, um homem, no auge da vida e masculinidade, de telemóvel na mão, agenda sempre pronta para nela apontar os seus compromissos e afazeres, trata de estar sempre ocupado, seja pelo trabalho, seja pela sociabilidade com que se movimenta, uma vez que por lá entra e sai gente da mais variada espécie. Vive só, pelo que parece, pois nunca se o viu com mulher certa ou filhos. De vez em quando vê-se-lhe na mão uma e outra revista que ele folheia nervosamente e sem grande paciência. Nunca liga a TV. Dou por mim a pensar o que fará este homem. Será um executivo, um homem de negócios? Será feliz?
Mais adiante, noutro prédio, mora uma família de quatro elementos. Pais e dois filhos na adolescência. Entram e saem freneticamente, como se a vida os chamasse sempre apressadamente. Lá dentro, pelas cortinas, percebe-se a dinâmica familiar. É o jantar a ser feito, sempre pela mãe, o pai descansando no sofá da sala, TV ligada, mudando de canal em canal, esperando que se pensa ser o jantar, enquanto os dois jovens, depois de breves e curtos diálogos, se dirigem, presume-se, para os seus quartos e lá os espera o estudo e as atividades para o dia seguinte. Passadas algumas horas, lá pelas 21h, estão os quatro na sala, no que eu penso ser confraternização, TV sempre ligada, para a seguir a luz se apagar e cada um se ir preparar para mais uma noite de descanso.
E assim é a vida que se olha e se vislumbra cada dia. Fico pensando que estas vidas não devem diferir tanto assim umas das outras, pese embora todas elas diferentes. Se a família visse o homem de quem falo, achá-lo-ia meio louco. Se o homem visse a mulher que nada mais espera da vida, achá-la-ia meia louca. Se a mulher visse o frenesim e a agitação da família, achá-la-ia meia louca. Se cada um soubesse da vida uns dos outros, talvez pensassem todos a mesma coisa. Afinal de contas, é de diferentes e das mesmas loucuras que se trata. Ou não fosse a vida como ela é.
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