Vim de longe, tão perto de ancestrais que remam as marés que lutam tempestades, e o cais, fundado em areias como soldados marginais em areais, soldados marginais que agarram as areias.
Mal vejo a rua e logo tudo, esse infernal movimento de objectos estranhos, umas vezes com rosto de gente e outras nem sequer me apercebo. Sinto o vento, esse passageiro dos tempos que me levam como refém na minha tão necessária calma, entro por corredores estranhos que desconheço e revejo os indígenas do céu com os seus véus para disfarce. Disseram-me um dia que o céu não existia, quis acreditar, ouvi sem saber de quem e apercebi-me bem mais tarde que não era de ninguém.
Ouvia passos, sentia remorsos, uma vontade inexplicável de conversar para nada com quem me quisesse apenas ouvir e percebi que falava sozinho. Era o invólucro da minha ausência de mim mesmo mergulhado nos fantasmas que existem nas ruas todos os dias quando decido percorre-la para a entender e descubro afinal o que não consigo explicar.
Sinto passos de velhos cansados e jovens famintos por nada querem perceber, árvores algumas florescem-me de sombras, cruzo infantários para crescer e neles um encontro com tanto de mim, acreditei assim que havia já sido jovem. Cruzo-me com as saudades e os remorsos, esta sede de matar o tempo num sopro impede-me de existir. Dizem que o cansaço não cansa. Cruzo-me permanentemente com noites e dias num arrepio de cal e vermes, ostras casadas entre o nada e o tudo nos empedrados cálices do destino.
Quantas vezes pensei ser possível cruzar-me com a verdade. Quantas as vezes me desiludi por pensar. Quando pensava ouvir passos e não era coisa nenhuma, as chapas dançavam a solidão a que foram entregues, o vento rompia qualquer nostalgia, pois, agitava o sossego dos confortados com o sofá enxofrado e peludo de veludos apenas para eles enquanto outros migravam pensamentos inventados soluções para que se pudesse de facto pensar.
Cruzo-me todos os dias com tantas coisas que me aborreço de mim, comigo, quem sabe com tudo, quem sabe com nada, esta coisa de me fazer escrever iliba a minha cabeça de ser tão consciente, a inconsciência é uma ciência que frutífera pela liberdade que o badalo dos seus sinos se espalha pelas bandeiras de todos os infinitos.
do livro Vim de longe,
Vítor Burity da Silva
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