Um filmezinho escorreito, sem bullshits técnicas ou efeitos especiais, apenas a força de uma história que não necessita sequer de um certo realismo emocionalmente pedinchão para se fazer valer.
E o filme é, em grande parte, a presença enorme de Lindon, um actor de famílias bem a fazer de desempregado cinquentão Thierry que revê todo o seu estilo de vida por forma a seguir a tal lei do mercado.
Não é de obras primas que se fala quando se fala deste filme de Stéphane Brizé, mas do grande cinema de mensagem, sem bagagem de tragédia ou moralismo. Venceu justamente o prémio de melhor interpretação masculina bem como o prémio do júri ecuménico. Mesmo quase um ano depois, esta Lei do Mercado não perdeu a sua força.
“Gosto de interpretar pessoas comuns”
Encontrámos-nos com o actor francês em Janeiro passado na antecâmara dos Prémios do Cinema Europeu, em Berlim, para a nossa entrevista.
Jornal Tornado – Como viveu o momento em que venceu em Cannes o prémio de interpretação por “A Lei do Mercado”, sobre a realidade do desemprego em França?
Vincent Lindon – Foi o melhor dia da minha vida no cinema. Por muitas razões, não que tenha a ver com prémios, algo que eu não ligo nada, podemos ser bons actores sem ganhar prémios ou o contrário também. Como para mim foi o meu primeiro prémio torna-se ainda mais importante. Como um amigo meu costuma dizer: vencer o César, é como ganhar o campeonato de futebol francês; o Óscar é vencer o Mundial, mas um prémio em Cannes, é superior, como uma Liga dos Campeões. A verdade é que já pus a minha marca na História do Cinema.
Ainda por cima por um filme que fala da vida, do homem comum, um filme tão actual hoje em dia, sobre o tema do desemprego. Isso para si tem ainda mais importância?
Por isso, não e só o prémio que é importante. Até porque é um tema que me é muito próximo. Por isso, é um prémio que reflecte todas essas pessoas – e são demasiados milhões em toda a Europa – que não têm trabalho. Eu senti isso quando percebo a reacção de outras pessoas, porque sentem que sou um deles.
É interessante, porque neste papel como também em “Diário de Uma criada de Quarto”, e mesmo em outros papéis, percebe-se que você tem um rosto e uma postura que são credíveis neste tipo de papel.
Sim, sem dúvida, é isso mesmo que eu sinto.
Isso significa que o seu próximo filme “Les Chevaliers Blancs”, do Joachim Lafosse, no papel de um agente humanitário, representa uma outra dimensão disto que temos estado a falar?
Sim, mas é mais complicado, porque é a história de um homem que foi para o Chad, no Darfour, com a sua namorada na tentativa de trazer uma centena de crianças para adopção em França, achando que está a fazer o melhor e que os está a salvar. Só que ele é uma pessoa que está contaminada com um vírus de narcisismo. Está contagiado com a ideia dele próprio.
A sua personagem vive um período traumático, mas vemos também o estranho crescimento da extrema direita. Como encara esse fenómeno político que começa a ter uma relevância significativa em França e não só?
A questão é que eu não quero que ninguém da extrema direita possa falar mais do que um segundo que seja. O que não suporto é que se fale deles próprios.
O melhor será ignorá-los…
É por isso que não quero falar sobre eles um segundo que seja. É essa a minha resposta. Porque os odeio tanto que não quero usar mais do que um segundo que seja a encará-los.
Apesar de sentir empatia pelos desempregados, a verdade é que o Vincent vem de uma família muito respeitada em França: o seu avô foi Primeiro Ministro e teve vários membros da sua família com cargos de muito relevo. Sentiu algum constrangimento ao interpretar essa personagem?
Porque haveria de sentir? É claro que muita gente me pergunta como posso interpretar o homem comum quando pertenço à aristocracia e burguesia? Mas o que me leva justamente ao cinema é o gosto de interpretar pessoas comuns.