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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

A Violência como necessidade

Alexandre Honrado
Alexandre Honrado
Historiador, Professor Universitário e investigador da área de Ciência das Religiões

Historiador, Professor Universitário; investigador da área de Ciência das Religiões

E depois, ainda de cor, relembro a passagem identificada pelo filósofo esloveno Slavoj Žižek, esse que vê os filmes como vidas projetadas, quando defende a ideia de violência como um desejo de mudar o funcionamento básico da ordem existente.

Se, num, entendemos como os erros dos homens que tomam o poder julgando-o seu é que levaram ao descrédito de um formato político de grandes qualidades (os utentes da Democracia abusam dela, contaminando-a, minando-a, derrubando-a, embora, muitas vezes, a louvem no que tem de mais generosa e propiciadora) no outro percebemos a urgência de deixar de cultivar tabus, como o que envolve a ideia de violência (tabus que a identificam com um dos lados que impõe, esquecendo o seu reverso), relevando o lado revolucionário que a percorre.

O horror à violência, hoje, é parte dessa ideologia liberal da tolerância. Começa-se a criticar a violência e no final advoga-se a tortura. (Guantánamo e exemplos próximos são uma consequência necessária desse aparente liberalismo antiviolência) – diz-nos sem peias Slavoj Žižek.

Façamos a medida deste peso: queremos uma sociedade policiada. Sentimo-nos seguros quando sabemos que há um guarda na primeira esquina, que os excessos potenciais são controlados pelas forças da ordem, que o assalto falha porque a polícia intervém, ou a rua se desembaraça porque o responsável pela ordem levou o trânsito sob sua alçada. Mas se estivermos no nosso perfeito juízo, tememos as sociedades policiais, aquelas em que não se pode falar nem dizer, criticar ou mudar, em que somos vigiados até à perseguição e perseguidos até à detenção e detidos (tantas vezes) até à morte.

Nas democracias, pelo excesso de cometimentos, pomos em causa a Democracia. Estamos longe de conhecer um conceito político mais nivelador, mais humano, mais perseguidor de uma justiça que nos respeite.

Nas democracias, no entanto, pelo excesso de ileteracia, cultivamos um lado violento, que exige justiça (mesmo feita por nossas mãos), como punição sumária; julgamentos sem justiça, condenação de suspeitos sem prova formada. Injustiças, em resumo.

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Quando as democracias estão neste desnorte, a Democracia está em risco. Vários foram os pensadores que perceberam isto. E que não existe poder sem excesso. E que não podemos fazer o que queremos, porque isso seria violento para o Outro – que estaria ocupado a fazer o mesmo.

Quando leio nas redes sociais apelos à violência – que podem ser de vozes histéricas contra as obras na cidade, contra a construção de uma mesquita por mais óbvia e necessária, ou contra as suas pequenas frustrações – penso que só uma ação violenta – escrever contra essa histeria, enfrentá-la, educá-la – é apropriado.

Durante os 40 anos de repressão, muitos foram os portugueses violentos, que desafiaram o regime com ideias e formas de pensar, de sentir e agir. Foram mais violentos que os ditadores, que por medo violentavam reprimindo (prendendo, manietando, calando, matando).

Hoje vivemos numa mundo violento, com fórmulas antagónicas e paradoxais de violência. Mas ainda não há violência suficiente para operar uma mudança que nos ajude. Porque somos pequenos e agressivos. Não somos grandes e violentos. Essa grandeza é Humana – uma aprendizagem dura. E essa violência (muito para lá da violentação física, entenda-se) é a que potencialmente nos prepare para coisas duras (e violentas) como a paz entre opostos.

Este texto respeita as regras do AO90.

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