A divulgação do 14º Anuário de Segurança Pública, nesta segunda-feira (19), pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, acrescentou mais preocupações para a população mais pobre. A violência doméstica cresce assustadoramente.
As polícias militares mataram 6.357 pessoas no ano passado, sendo 79,1% de negros e 74,3% de jovens até 29 anos, o que “mostra claramente a continuidade do genocídio da juventude preta, pobre e da periferia”, argumenta Mônica Custódio, secretária de Igualdade Racial da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).
E para piorar, somente no primeiro semestre deste ano, em meio à pandemia, a polícia matou 3.181 pessoas. “A violência policial reforça a necessidade de pensarmos uma nova política nacional de segurança pública, que não seja contra as cidadãs e cidadãos comuns”, reforça Mônica.
Para Valdete Souto Severo, presidenta da Associação Juízes para a Democracia (AJD) e juíza do Trabalho, “é preciso haver uma mudança estrutural que faça a polícia deixar de ser um elemento repressor do Estado, que encarcera e persegue quem é negro e pobre, bem mais do que efetivamente dá segurança”.
Ela se refere ao fato de o país contar com uma população carcerária de 755.254 pessoas, no ano passado. Sendo 66,7% de negros. O Brasil está entre os países que mais encarcera no mundo por uma lógica de punição e vingança. “O sistema prisional não apenas não recupera ninguém como pode tornar mais violento pessoas que cometeram pequenos delitos”, realça Mônica.
Porque, “enquanto o Brasil for campeão em encarceramento, enquanto a polícia seguir agindo de modo similar àquele como agia durante a ditadura civil-militar (1964-1985) continuaremos a amargar esses tristes índices”, acentua Valdete.
É muito simples, diz, “basta pensar que quando somos parados por um carro da polícia, a primeira sensação que dá é de medo e não de segurança. Enquanto isso não mudar fica difícil ter uma segurança pública sem medo da polícia”. Principalmente “porque o Brasil mantém um resquício da ditadura que é a ideia de uma Polícia Militar e ainda vinculada às Forças Armadas. O que não faz nenhum sentido num Estado sob a lógica da democracia”.
Violência doméstica
Em 2019, uma mulher foi agredida a cada 2 minutos no país, num total de 266.310 casos registrados. Também ocorreram 47.773 mortes violentas intencionais, 13,3% delas em intervenções policiais e, 72,5% por armas de fogo.
Foram notificados 66.123 estupros em 2019, um a cada 8 minutos. “Os números já são avassaladores”, argumenta Celina Arêas, secretária da Mulher Trabalhadora da CTB. Mas “a realidade pode ser muito pior porque a subnotificação sobre a violência contra as mulheres é gigantesca no país”.
Nem dentro de casa, as meninas, as mulheres, crianças e adolescentes estão em segurança. Isso porque 57,9% das vítimas dos estupros foram meninas de no máximo 13 anos e a maioria aconteceu dentro de casa por pessoas conhecidas das vítimas, em boa parte, responsáveis pela segurança dessas crianças.
Em 2019, foram 1.326 vítimas de feminicídio, um crescimento de 7,1% em relação a 2018 e 89,9% das vítimas foram assassinadas por companheiros ou ex-companheiros. “Os números confirmam a necessidade de ampla mudança no sistema educacional e na política de segurança pública para acabarmos com a violência contra as mulheres”, diz Celina.
Valdete defende que haja no país menos concentração de riquezas e mais investimentos na educação pública. “Se queremos falar de segurança pública, precisamos falar antes de educação pública de qualidade e de uma forma diferente de distribuição de riqueza”.
Para ela, “tributar os super-ricos, e os bens a que apenas eles têm acesso, como iates, helicópteros, para evitar o que aconteceu no Brasil durante a pandemia, quando todo mundo perdeu renda e salário e as instituições financeiras e as poucas famílias bilionárias do país seguiram tendo lucros exorbitantes”.
Taxar as grandes fortunas para salvar o SUS e a educação pública
Além de taxar as grandes fortunas, Valdete acredita ser imprescindível aumentar os investimentos em educação pública para garantir “acesso a uma educação de qualidade a todos desde a educação infantil até ao ensino superior”.
Só é possível transformar “a segurança pública combatendo essas outras questões que na verdade são a causa principal da violência”. O combate à desigualdade “abissal que existe no Brasil é fundamental”, acredita a juíza gaúcha.
“A ideia de que o fracasso não é decorrência do sistema, mas sim de escolhas pessoais mal feitas, gera frustrações porque o sistema nos faz acreditar em possibilidades iguais para todo mundo, mas que na verdade isso não existe”, assinala. “Enquanto isso não mudar, fica difícil mudar a questão da violência”.
Texto em português do Brasil
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