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Terça-feira, Julho 16, 2024

Vistos Gold, Economia e Imobiliário

Nuno Ivo Gonçalves
Nuno Ivo Gonçalves
Economista, Mestre em Administração e Políticas Públicas, Doutor em Sociologia Política. Exerceu actividade em Gestão Pública, Recuperação de Empresas, Auditoria e Fiscalização e foi docente no ISE e no ISG. Investiga em História Contemporânea.

Acontece-me ver os Vistos Gold, criados por Paulo Portas, geridos (está por qualificar como) por Miguel Macedo, e entusiasticamente aplaudidos pela Câmara Municipal de Lisboa e pelo seu então Presidente António Costa, como a nossa cerveja 3,2.Quando Franklin Delano Roosevelt prestou juramento como Presidente dos Estados Unidos a Grande Depressão estava no auge. Antes mesmo que fossem definidas as políticas do New Deal, que aliás foram enfrentando dificuldades e conheceram vários ciclos, FDR tomou uma medida que contribuiu para reanimar a economia e atacou causas da depressão não-relacionadas com o crash bolsista de 1929: aliviou as restrições da Lei Seca, embora de princípio não a pudesse revogar, pois tinha sido incorporada numa Emenda à Constituição. Fê-lo alterando a graduação do álcool consentida para a cerveja leve, o que criou postos de trabalho nas cervejarias e indústrias relacionadas e gerou rendimentos para o Estado – foi a cerveja 3,2. .

Acontece-me ver os Vistos Gold, criados por Paulo Portas, geridos (está por qualificar como) por Miguel Macedo, e entusiasticamente aplaudidos pela Câmara Municipal de Lisboa e pelo seu então Presidente António Costa, como a nossa cerveja 3,2.

A discussão dos efeitos dos Vistos Gold, cuja supressão já há quem defenda, passa pela consideração do seu impacto nas entradas no país, na economia em geral, e no sector imobiliário em particular.

 

Vistos Gold e entradas no País e na União Europeia

Cabe-me referir o seguinte:

  • tive conhecimento logo em 1987 de casos de investidores estrangeiros (árabes, na indústria hoteleira) que desejavam poder usufruir de um visto permanente para entrarem livremente em Portugal; não sabendo como isso está hoje em dia regulamentado, parece-me normal que se concedam autorizações de residência permanente aos verdadeiros investidores estrangeiros e aos quadros em que se apoiem;
  • todavia os Vistos Gold inserem-se num âmbito diferente, criando essencialmente oportunidades mais seguras de colocação de capitais a quem, por várias razões,   não está bem certo de os poder usufruir no seu próprio país, constituindo afinal  um negócio cínico de venda de protecção, aliás partilhado por vários países europeus;
  • quanto à  migração de trabalhadores mais ou menos qualificados, problemática que não posso  aprofundar aqui, constitui  um tipo de movimentações totalmente diferente, que sem dúvida atenua a  pressão sobre os salários praticados internamente (e daí poder e dever ser impopular entre os assalariados nacionais), mas que tem sido múltiplas vezes demonstrado ser indispensável ao crescimento das economias que recebem os imigrantes, como já sustentava há 40 anos Anicet Lepors para a economia francesa e se sustenta hoje para a economia portuguesa.

Sendo os Vistos Gold um negócio, que seja gerido de forma a ganharmos com ele e a minimizarem-se danos colaterais. Aliás, mais dia menos dia, virá a cair sob a disciplina da União Europeia.

 

Vistos Gold e Economia

Para os que acreditaram que a economia portuguesa saída do resgate ia assentar nas exportações, ou, noutras perspectivas, na reindustrialização ou na substituição de importações, a reanimação da economia à custa do turismo, do imobiliário, da importação  de veículos de luxo e outras coisas que tais, revela-se profundamente decepcionante e nada  augura de bom em relação ao futuro.

Mas o facto é que a economia portuguesa vem sendo persistentemente reanimada à custa da venda de activos a estrangeiros:

  • a partir de 1986 a crise induzida pelas medidas acordadas com o FMI (lembram-se do “não há salários em atraso, há falências em atraso”, etc. ?) foi atenuada com as aquisições de propriedades,  sobretudo a nível de escritórios, por parte de empresas que queriam estar representadas nos novos países da CEE ;
  • nos anos seguintes os defensores da manutenção dos centros de decisão nacionais foram vendendo as suas empresas;
  • as diversas experiências de internacionalização das empresas portuguesas foram sucessivamente falhando;
  • as privatizações mais recentes – a partir de 2011 –  não trouxeram investidores  estrangeiros portadores de tecnologias ou ligações comerciais, mas sim interesses que queriam aproveitar as tecnologias e as ligações criadas pelas empresas públicas sujeitas a privatização.

Aliás do ponto de vista da receita fiscal, num sistema que tributa de forma extensiva as transmissões de bens,  o efeito não deixou de se revelar interessante.

De qualquer forma  o impacto específico dos Vistos Gold neste contexto afigura-se diminuto e não justificaria uma revisão da política.

 

Vistos Gold e imobiliário

Parece inegável o impacto inicial dos Vistos Gold no mercado imobiliário em Lisboa, arrastando consigo o preço dos imóveis transaccionados nas melhores localizações. No entanto a sustentada subida de preços do imobiliário, tanto a nível da transacção, como do arrendamento, estará ligada a outros factores, como a procura de alojamento turístico, e até à maior disponibilização de crédito bancário – os adquirentes estão novamente a ver os imóveis como um activo seguro e que se valoriza, os bancos voltaram a ver o crédito imobiliário como um crédito de baixo risco. E aliás, de que alternativa dispõem, uns e outros?

Recentemente Luis Lima, da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), veio afirmar que os “motores da economia nacional” seriam o imobiliário e o turismo, sendo que o imobiliário hoje em dia fidelizará o turista, levando-o a adquirir uma residência em Portugal, como terá sucedido em tempos no Algarve e se verificará actualmente em Lisboa e Porto e noutras zonas do país. O aumento dos preços deveria, segundo a APEMIP, ser contrariado não apenas com o investimento em reabilitação mas com nova construção.

Estamos aliás na época do aparecimento de múltiplas propostas sobre política de habitação, o que é de saudar, algumas das quais suscitam controvérsias infindas, como as relativas ao alojamento local, e, recentemente, à possibilidade de se arrendarem casas hipotecadas sem autorização do banco.

Acontece que em relação a este último aspecto me parece possível conciliar a visão de Helena Roseta – o proprietário que dê de arrendamento a sua casa reforça a probabilidade de cumprir  as suas obrigações para com o banco – com o interesse dos bancos – para os quais a hipoteca só conserva o seu valor se o bem permanecer livre de outros ónus ou encargos.

Bastará consignar na lei que, como sucede aliás em outros casos em que os imóveis se encontram sob administração provisória enquanto não se define o seu proprietário, que os contratos de arrendamento celebrados  caducam com a execução da hipoteca.

Se quisermos mesmo contrariar o efeito de especulação atribuído à existência dos Vistos `Gold, sem os suprimir,  poderemos sempre equacionar medidas como:

  • a suspensão da elegibilidade de aquisições de imóveis situados em Lisboa e Porto para efeitos do preenchimento das condições para atribuição dos Vistos Gold;
  • a possibilidade de atribuição de Vistos Gold a quem subscreva  e mantenha um determinado  montante de investimento em certificados de dívida pública.

 

André Maurois descreve a cadeia de acontecimentos na sua História dos Estados Unidos, integrada na História Paralela dos Estados Unidos dos Estados Unidos e da URSS.
Este quadro, que esteve em Portugal no final dos anos 1970 como consultor da OCDE, haveria de ser um dos quatro ministros do PCF que participaram inicialmente no II Governo de François Mitterrand, no qual assegurou a pasta da função pública.
“Mediadores imobiliários consideram “urgente” aumento de construção nova”, DN on line / LUSA de 23 de Junho de 2018.
Sem prejuízo de se facilitar a celebração de contrato de aquisição da casa pelo arrendatário, caso não existam outros credores.

 

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