Com a vitória de Vladimir Putin, pode-se esperar para o futuro imediato a sequência da aproximação entre a Rússia e a China e a tendência de formação de um cenário global multipolar, cada vez mais distante do cenário unipolar do imediato pós-Guerra Fria, no qual os Estados Unidos tentavam consolidar sua posição como única superpotência, escreve o professor Igor Fuser, que apresenta o programa Geopolítica, na TV 247As eleições russas do último domingo, dia 18 de março, ocorreram num contexto marcado pelo fortalecimento da Rússia, sob a liderança do presidente Vladimir Pútin, no cenário geopolítico global. Para dois analistas de política internacional entrevistados pela TV 247 nas vésperas da eleição presidencial russa, em que Pútin foi reeleito com mais de 70% dos votos, pode-se esperar para o futuro imediato a sequência da aproximação entre a Rússia e a China e a tendência de formação de um cenário global multipolar, cada vez mais distante do cenário unipolar do imediato pós-Guerra Fria, no qual os Estados Unidos tentavam consolidar sua posição como única superpotência.
Na avaliação do Prof. Dr. Flávio Rocha de Oliveira, docente do Bacharelado em Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), a Rússia e a China tendem a consolidar sua aproximação, iniciada há pouco mais de dez anos. “Essa é uma aliança de circunstância que vai se tornando cada vez mais duradoura”, afirmou, em entrevista ao programa Geopolítica, da TV 247. “A Rússia e a China compartilham a percepção que estão sofrendo um cerco geopolítico articulado por uma coligação de forças liderada pelos EUA”, explicou o professor. “Um sinal de solidez dos laços de cooperação geopolítica entre russos e chineses é que eles compartilham os mesmos aliados”, disse.
Para Flávio Rocha de Oliveira, o presidente russo tem plena consciência de que o seu país é o lado mais fraco na aliança com a China, aceitando esse fato como uma circunstância inevitável diante das limitações da economia nacional. “Putin sabe que a Rússia não tem condições de competir com China e EUA pela hegemonia global, mas está convencido de que é capaz de desequilibrar o jogo”, afirmou o professor.
Na mesma linha, o pesquisador Túlio Bunder, bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa) e mestrando em Energia na UFABC, enfatizou a estabilidade política da Rússia sob a condução de Pútin desde sua ascensão como primeiro-ministro, em 1999, seguida por vários mandatos como presidente, além de um novo período como primeiro-ministro. Com a nova reeleição, lembrou, Pútin deverá permanecer à frente do Estado até 2024, o que o tornará – salvo algum imprevisto – o segundo mandatário russo mais longevo depois de Josef Stálin, que governou a União Soviética de 1924 a 1953, quando faleceu, num total de 29 anos. Outro líder soviético com longo período no poder, Leonid Brejnev, comandou o país de 1964 a 1982, portanto 18 anos, menos do que o tempo de governo já exercido pelo atual presidente russo.
“A prioridade de Pútin agora será colocar em ordem a economia, ajustar a casa para enfrentar a recessão”, avalia Bunder. A Rússia, observou, enfrenta um cenário difícil, com a economia estagnada, as sanções impostas pelos Estados Unidos e os efeitos, ainda não totalmente superados, da queda dos preços do petróleo e do gás natural – principais produtos de exportação do país – a partir de 2014. “Houve uma recuperação dos preços do petróleo, que subiram de 30 dólares o barril para 60 dólares, mas isso ainda é a metade do valor, de 120 dólares, vigente quando as cotações do petróleo no mercado internacional despencaram.” Apesar disso, a Rússia mantém taxas relativamente baixas de desemprego, de apenas 5,2%, e inflação de 2,2% no ano passado.
De acordo com o pesquisador, Pútin não tem interesse em endossar a lógica da competição geopolítica com o Ocidente, ou seja, a chamada “nova Guerra Fria”, como as autoridades dos EUA têm tentado caracterizar o cenário internacional. “Uma corrida militar com os EUA será muito arriscada para a Rússia”, afirmou, ressaltando que o orçamento militar russo já reserva 4,5% das despesas para os armamentos e que um montante maior poderá privar o país dos investimentos necessários para a inovação tecnológica e para garantir as demandas sociais de uma população com crescente proporção de idosos.
Quanto ao atual clima de tensão com o Reino Unido, Bunder acredita que ainda é cedo para avaliar se houve ou não envolvimento russo, mas ressalta o interesse do governo conservador da primeira-ministra Theresa May em explorar o caso com vistas a melhorar sua posição na política doméstica britânica. “Sem dúvida, May atropelou as investigações, anunciando conclusões precipitadas”, disse. “O Reino Unido está com a casa dividida, beirando a ingovernabilidade e o caos político.” Nesse cenário, acredita ele, a crise diplomática com a Rússia veio a calhar como um meio de desviar as atenções do público e, no plano da política externa, se presta a uma tentativa de deslegitimar a liderança de Pútin às vésperas de uma eleição que tem suas características democráticas contestadas pelo Ocidente.
Assista:
Por Igor Fuser, Doutor em ciência política pela USP, docente do Bacharelado em Relações Internacionais e na Pós-Graduação em Energia da Universidade Federal do ABC (UFABC) e apresentador do programa Geopolítica, na TV247 | Texto original em português do Brasil
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