Músico e compositor defende o voto e critica o sistema político vigente.
Todas as campanhas eleitorais têm uma temática em comum: a abstenção. Repetem-se os apelos contra o fenómeno, por parte de todos os partidos e até de altas individualidades do Estado e do Governo. Por outro lado, vários cidadãos afirmam-se a favor da abstenção como forma de protesto contra um sistema político que consideram repleto de erros e defeitos, e como forma de obrigar a uma mudança na sociedade. A propósito do tema, o Tornado ouviu uma personalidade do mundo artístico e do espectáculo, sector da sociedade que tem sido atingido em particular pela crise e pela austeridade. O maestro e compositor António Pinho Vargas acedeu a falar connosco neste número de arranque.
Não acompanhou a campanha eleitoral, descrevendo o modelo como “estranho, antigo, pouco racional, baseado em eventos sem grande significado” e admite que não aprecia o seu formato-tipo. Considera que os argumentos contra e a favor da abstenção são ambos legítimos, sublinhando: “Vive-se uma crise da democracia”, e que “o aumento da abstenção é um dos signos que a demonstra”, tal como “a descrença, o desalento e a convicção crescente de que não muda realmente as vidas das pessoas”. Sublinha ainda que “a fixidez no nosso sistema partidário agrava o problema”. Pinho Vargas fala também do momento que a Europa atravessa: “No nosso contexto europeu, esses factores aumentam de intensidade, uma vez que muitos aspectos da soberania estão depositados na UE, bastantes mesmo em comissões e órgãos não eleitos. Estes argumentos têm razão de ser.” Apesar disso, e porque recorda ter lutado pelo direito de voto durante a ditadura de Salazar, afirma: “Vou votar, mesmo estando consciente dos limites e das insuficiências presentes. Aliás, uma das lutas passa pelo aprofundamento da democracia no contexto europeu. A abstenção teria sentido para mim, se se traduzisse em lugares vagos que a concretizassem na realidade visual e simbólica”, alertando para que de outro modo, “abre espaço para a ocupação de lugares usurpados à abstenção e, nesse sentido, não serve para nada, a não ser mostrar a necessidade de repensar”.
Sobre a questão da abstenção implicar uma revisão do sistema eleitoral como, actualmente, existe, argumento defendido por muitos dos que pugnam pelo direito a não votar como forma de protesto, o músico acredita que “o sistema eleitoral precisa de uma revisão em qualquer caso.
Em que termos exactos não sei, mas é relativamente aceite que é necessária. Simplesmente quem legisla são os próprios deputados que existem”, e vai mais longe: “A sua pertença aos partidos tem bloqueado os esforços nesse sentido”. Quanto aos problemas divulgados nos últimos anos no que respeita aos cadernos eleitorais, como a problemática dos “eleitores-fantasma”, o maestro lamenta tais situações: “Fazem-me lembrar as eleições de Humberto Delgado. São problemas próprios de ditaduras que pretendem passar por democracias, como era o caso. Mostram igualmente uma degenerescência do sistema.” E seria o voto obrigatório, como acontece no Brasil, uma solução para o problema da abstenção? “Estando a democracia capturada por interesses de vária ordem não creio que deixasse de estar com o voto obrigatório. Os problemas vão mais fundo e são graves”, afirma, opinando que “o exemplo do Brasil é demonstrativo disso”.