Na estação o comboio pára, e entra por ele adentro, para uma das carruagens, uma jovem de pouco mais de dezassete anos, acabada de entrar na Faculdade, e se dirigia para a cidade onde a Faculdade precisamente ficava. Logo a que escolhera em primeiro lugar. Estava feliz, pois, e com toda a esperança no futuro, aquela esperança tão própria da juventude, onde tudo é possível e onde cabem todos os sonhos. Procurou um assento, acomodou os seus pertences, tirou da bolsa um livro que escolhera para ler durante o percurso da viagem. Tinha dado início à sua leitura, quando se deu conta que uma senhora, já de idade avançava, de aspeto corpulento, semblante triste e angustiado, estava sentada à sua frente, olhando-a fixamente, querendo, ou assim lhe pareceu, entabular conversa. Como persistia no olhar, a jovem aceita e segue o impulso da intuição e no ensejo de se mostrar disponível, simula não estar interessada mais na leitura que tem em mãos, e fingindo distração, fecha o livro. Nesse preciso instante, a conversa se desenrola como que de imediato. Na exaustão logo sentida e pressentida em que se encontrava, ela conta-lhe o seu drama, na esperança, quem sabe, de uma palavra que consola e esclarece, num amparo que pudesse sustentar a tormenta por que passava. Sem a experiência e a vivência próprias dos que já viveram o suficiente, a jovem pensava e questionava-se sobre a utilidade daquela conversa ou no que ela poderia acrescentar. Sem que, na altura, soubesse entender e formular de que modo a sua prestação seria oportuna e benéfica, limitou-se a ouvir atentamente, num esforço honesto, o que aquela companheira de viagem tinha para lhe dizer. Dali ela ia – semanalmente – até à casa da filha e do genro, genro este que se encontrava gravemente doente. Problema oncológico. Que o fez desempregar-se, tal a impossibilidade física do estado em que se encontrava. Graças à situação, a escassez de recursos de toda a sorte, a fazia deslocar-se para prover aquela família não só de bens de primeira necessidade, bem como das reservas de dinheiro que fora acumulando ao longo de uma vida. Contava-lhe à jovem as vezes, tantas, em que o genro, antes da doença, a acusava, não com pouca ironia e não com pouco desdém, da sua ganância e da sua avareza. Ao mesmo tempo acompanhados de comentários desfavoráveis e de refinada zombaria. Tudo isto ela me relatava triste e pesarosa, enquanto a jovem, apesar de o ser, acabava de aprender a maior e a mais valiosa das lições. A de não julgar, nunca julgar, seja a quem for. E fazendo contas à vida, nas mãos do destino e nos seus caminhos, refletia nas voltas que a vida dá.
Por opção do autor, este artigo respeita o AO90
Receba a nossa newsletter
Contorne o cinzentismo dominante subscrevendo a Newsletter do Jornal Tornado. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.