Wim Wenders tem estado em Lisboa a acompanhar o Lisbon & Estoril Film Festival. Apresentou a sua exposição fotográfica “À luz do dia até os sons brilham”, que estará patente no Reservatório da Mãe d’Água, em Lisboa, a partir de imagens captadas durante a rodagem dos filmes “O Estado Das Coisas”, produzido por Paulo Branco, e vencedor do Leão de Ouro em Veneza, bem como “Até ao Fim do Mundo” e “Lisbon Story – Viagem a Lisboa”. “Tudo Vai Ficar Bem” é outro dos motivos que trouxe o realizador alemão a Portugal, exibido em antestreia no LEFFEST.
“Tudo vai ficar bem” é uma forma de introduzir a esperança num momento de desestabilização emocional profundo. É isso que sucede no filme do alemão Wim Wenders neste seu regresso à ficção e no prolongamento da sua exploração do cinema em 3D. Desta feita com uma tragédia familiar profunda que afecta duas famílias e diversas pessoas de forma distinta. O actor James Franco recebe aqui um desafio bem diferente das suas comédias desbragadas, no papel de um escritor que é envolvido num terrível acidente com uma criança e que acaba por usar esse drama como inspiração para superar a sua crise de inspiração. Do seu lado, e à vez, duas mulheres afectam o percurso do escritor, Rachel McAdams e Charlotte Gainsbourg temperam com diferentes tonalidades esta narrativa baseada no romance do autor norueguês Bjorn Olaf Johannessen, que Wim Wenders adaptou.
Foi durante o festival de Berlim, em Fevereiro passado, quando o filme foi exibido, fora de competição, que conversámos com o realizador de 70 anos e auscultámos o seu ponto de vista sobre o uso do 3D, percebendo de que forma afectava o percurso dramático das personagens. Sem deixar, naturalmente, de questionar o presidente da Academia de Cinema Europeu sobre o actual papel da Europa que o próprio sintetizou no título da nossa peça.
Escolheu fazer um filme de ficção em 3D. Sentiu-se limitado?
O único limite é que levou algum tempo a mais a concluir. Tivemos de ajustar timings. Tínhamos equipamento flexível, que podia até ser portátil, podia fazer gruas, travellings. É claro que se trata de material mais pesado, porque são duas câmaras ligadas por um espelho. De resto, é uma questão de ajustes. Filmamos tanto quando seria com uma câmara normal.
E qual foi para si o desafio de voltar a filmar em 3D?
O desafio foi fazer o que era possível fazer. Toda a gente sabe que o 3D pode trazer mais profundidade. Mas, neste caso, era mais a intensidade, o poder ver mais. Ver mais a presença dos actores, ter os actores mais presentes no ecrã. O ponto de vista dos espectadores é um pouco diferente. Usamos outras partes do cérebro. Estamos mais perto e usamos uma relação diferente. Usamos isso para a narrativa. Acho que conseguimos ver mais do que com uma câmara normal.
Fez algum story board para este filme? Acha que o seu director de fotografia tem um estilo próprio?
É difícil afirmar que o Benoit (Debie) tenha um estilo, acho que é mais um estilo de aventureiro. Quis filmar com ele, porque gostei do que fez com o Gaspar Noé (Irreversível, Enter the Void – Viagem Alucinante e Love). Mas são filmes muito complicados e arriscados. Já tinha feito o Springbreakers: Viagem de Finalistas. Mas é diferente com o Gaspar Noé. Correu riscos com a luz, e ele gosta de correr riscos. Foi isso que fez.
Sentiu que com Tudo Vai Ficar Bem passou a conhecer-se melhor a si próprio? Pergunto isto porque é o que sucedeu a muitas das personagens.
Acho que tenho um bom conhecimento de mim próprio. Mas acho que o filme é um catalisador. Por exemplo, o trabalho com o Sebastião Salgado (O Sal da Terra) é uma forma de fazer uma ponte com o passado. Ele faz isto com um sentido de responsabilidade semelhante aos outros fotógrafos. O facto do Thomas (personagem de James Franco) ser um escritor não significa que eu queira fazer um retrato de um escritor. Isso seria aborrecido. Mas os escritores são catalisadores e aquilo que fazemos com as pessoas é algo incrível. Até a tristeza usamos em nosso beneficio. Que direito temos de fazer isso?
Acha que temos esse direito?
Temos o direito, mas também a responsabilidade. Acho que temos de aceitar isso, mas também a responsabilidade de entrar na vida deles e eles na nossa. O Thomas não concordou logo que entrassem na vida dele. As pessoas reais são mais importantes que as de ficção.
Que tipo de influências visuais teve para este filme?
Foram sobretudo influências de pintura. Tínhamos muitos quadros do Andrew Wyeth, um pintor hiper realista americano (1917-2009). Tivemos sempre quadros dele perto de nós. Ele era a antítese do modernismo americano.
Como se desenvolveu a abordagem ao guião? Sei que já conhecia o argumentista…
Este foi um projecto que se desenvolveu a partir do momento em que disse ao Bjorn (Olaf Johannessen) para enviar algo que tivesse escrito. Isto depois de, há oito anos , lhe ter dado um prémio num festival. Entretanto, veio ter comigo e deu-me um guião. Mostrei-o ao meu produtor e ele ficou fascinado. Percebemos que era um diamante em bruto, apesar de, na altura, estarmos ainda ambos envolvidos com a montagem de Pina. Mas começámos a escrever. De início tive alguma distância em relação ao Thomas. Conheço vários autores e sei que todos eles usam aspectos da vida. O (Peter) Handke, (Michael) Ondaatje, (Sam) Shepard, etc. Quando crescemos, o que lhes devemos?
O tema da solidão está muito presente nos seus filmes, como em Paris,Texas. Poderemos dizer que estará também aqui?
Em Paris, Texas as pessoas solitárias sofriam de uma doença. Em Tudo Vai Ficar Bem, há uma personagem, que admito que é a Kate (Charlotte Gainsbourg), porque é uma mulher solitária mas que não sofre. A solução pode parecer pouco plausível, mas é positiva. Viver sozinho pode ser algo muito positivo. Por exemplo, conheço várias pessoas que não podem viver sozinhas. Mas isso também uma doença.
Diz isso por experiência própria? Gosta de viver sozinho?
Sempre gostei de viver sozinho. Como fotógrafo, por exemplo, não posso ter ninguém comigo. Como documentarista já poderia ter algumas pessoas comigo, uma equipa mínima, mas como fotógrafo não. É algo que encaro como uma pesquisa.
Porque voltou a fazer ficção depois de tento tempo? A sua última ficção foi Imagens de Palermo, em 2008…
Pina levou muito tempo a fazer. Era algo pioneiro. Tudo Vai Ficar Bem, demorou cinco anos ao todo. É uma loucura o tempo que demora a fazer um filme independente. Foi filmado em três diferentes estações do ano. Foi caro e o financiamento foi complicado, uma co-produção entre 5 países. O problema não é o dinheiro, mas o que se pode fazer com ele.
Sente que a indústria mudou assim tanto?
Sim, hoje em dia não é possível produzir um filme apenas com um país. É um processo muito longo. Se estivesse a começar agora daria em louco. Isto pelo tempo que demora. Quando estava a começar tive o privilégio de poder fazer um filme por ano. Hoje o único que faz é o Woody Allen. Mas porque tem um padrão muito próprio e orçamentos aprovados muitos anos antes.
Falemos então do elenco. Foi complicado contratar estes actores conhecidos para o filme?
A barreira é a mesma. Estes actores trabalharam em condições diferentes porque queriam fazer este filme. Eles escolheram fazer estas personagens, não foi pelo dinheiro.
Como avalia o papel das mulheres e dos homens neste filme?
O filme lida com a diferença entre mulheres e homens. Os homens têm a tendência de guardar as coisas e falar menos; as mulheres são diferentes. Queria que elas questionassem o Thomas, que o encorajassem e partilhassem o seu mundo, mas que fossem diferentes entre si. Ele, é claro, acaba por ser afectado por ambas, tanto por Sara (Rachel McAdams) como por Kate (Charlotte Gainsbourg). Aliás, a Kate tem um gesto muito generoso ao aceitá-lo na sua vida e ao dizer que perdoa o que aconteceu.
Ficamos com a impressão de que acredita mais no amor nos seus filmes dos anos 80 do que agora. É verdade?
Ainda acredito no amor, mas este filme lida com questões mais básicas e, ao mesmo tempo, mais vastas.
Voltemos ao filme. De que forma acha que a representação se altera quando filmado em 3D?
Neste caso, quisemos que fosse um ambiente muito natural, muito ligado ao quotidiano das pessoas. Mas havia longos pedaços de tempo que não eram mostrados no ecrã. No entanto, há coisas que só sabemos que aconteceram porque as vemos no ecrã. Falta o que está no meio. É um jogo de elipse. Essa foi a minha ideia para lidar com a passagem do tempo. Algo que nunca tinha feito antes. Algo que o autor do livro (Bjorn Olaf Johannessen) nos sugeriu.
Acha que o que acontece neste filme se pode ligar um pouco ao que sucede à Europa? Acha que ‘tudo vai ficar bem’?
Na Europa está tudo em pedaços. Quando me trouxeram o guião, percebi que existiam elementos de alguma utopia, de como as feridas se saram, como perdoamos e somos perdoados. Era como dizer que tudo se arranjaria. É um título que nos leva a pensar muito no seu significado.
Fez filmes em várias partes do mundo. Quando regressa à Alemanha para trabalhar sente que encontra temas que gosta de explorar de outra forma?
Sim, acho que tem razão. Fiz um documentário para a televisão sobre a filarmónica de Berlim (Cathedral’s of Culture). No fundo, é um retrato de um edifício. Já não filmava há muito tempo no meu país.
Como vê a Alemanha, o seu país no momento actual?
A Alemanha atravessa várias fases, tal como os outros países europeus. Onde os fugitivos de todo o mundo se juntam cada vez mais, criando crises graves. Fiz um pequeno filme em Itália sobre os emigrantes que chegam ali de barco. É um tema que gosto muito, a imigração. Talvez vá fazer outro filme sobre isso. Acho que a Europa vive uma crise profunda. Define-se cada vez mais pela economia e perde terreno porque se define pela economia e menos pelos seus valores. Este é um debate que travo há muito tempo. Algo que devo colocar num filme. A Europa é muito mais do que uma indústria. É o continente com maior impacto cultural no mundo. E nunca usa isso. São sempre números, a economia, e pensamentos financeiros. A Europa está a gastar-se porque não se pronuncia de forma cultural. Os americanos não são assim porque o american dream foi feito através da cultura. É algo que ainda faz parte da nossa mente.
Paulo Portugal, em Berlim