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Domingo, Novembro 3, 2024

Zé Celso Martinez: ‘Esse governo não tem nem pé nem cabeça’

“É um governo imbecil, desde o primeiro momento, até a posse, antes da posse, tudo. Estão fazendo uma coisa fora de época, essa coisa de globalismo marxista. Não têm a menor ideia do que é Marx”.

“Eu digo menos pelas palavras e mais pela encenação. Tudo o que eu tenho a dizer está na encenação de Roda Viva”, diz o diretor, ator e dramaturgo José Celso Martinez Corrêa, resumindo o que tem a dizer sobre a atual conjuntura política do país. Ele se refere à peça em cartaz no Teatro Oficina até “antes do Carnaval”, como enfatiza. A montagem é baseada no célebre texto de Chico Buarque de Holanda de 1967.

Diretor da histórica montagem de O Rei da Vela (1967), a partir do original do modernista Oswald de Andrade, Zé Celso não se faz de rogado, como é de seu estilo, ao falar do governo de Jair Bolsonaro e a extinção do Ministério da Cultura, criado em 1985 pelo governo de José Sarney.
“Acho que não é uma questão de pedir a esse governo um ministro da Cultura, porque eles vão colocar um idiota qualquer. Porque eles são imbecis.” A opinião do diretor é semelhante à do próprio Chico Buarque, que, ao jornal El País, declarou: “Com esses ministros, é preferível que A Cultura não tenha ministério”.

Na opinião de Zé Celso, o governo de Jair Bolsonaro é, de fato, “imbecil”. “Não é um governo de direita moderna, mas de direita arcaica. Botar a embaixada em Jerusalém, esse alinhamento com Trump, que está para ter um impeachment… É um governo imbecil, desde o primeiro momento, até a posse, antes da posse, tudo. Eles estão fazendo uma coisa totalmente fora de época, essa coisa de globalismo marxista. Não têm a menor ideia do que é Marx”, diz o dramaturgo, em entrevista à RBA.

O que você tem a dizer sobre a extinção do Ministério da Cultura? 

Só o Ministério da Cultura que foi extinto? Ele já declarou o fim da reforma agrária, entregou tudo nas mãos da ministra da Agricultura (Tereza Cristina). Se tivesse Ministério da Cultura, ele ia botar um desses caras, como o do Itamaraty (Ernesto Araújo), ou o da Educação (Ricardo Vélez Rodriguez). Eu sou a favor do Ministério da Cultura, sim. Mas não na mão desse cara. 

Muitas pessoas da área artística e cultural estão pessimistas…

Eu não estou pessimista, não. Roda Viva é o maior sucesso de todos os tempos. A gente exprime tudo o que está acontecendo agora, é atualíssimo, maravilhoso. Eu acredito muito mais no teatro, no cinema, nas artes todas, na mídia… Os jornais estão ótimos. Acho que não é uma questão de pedir a esse governo um ministro da Cultura porque eles vão colocar um idiota qualquer. Porque eles são imbecis. A gente conseguiu apoio para ensaiar a peça, conseguiu o Sesc, que está correndo risco também, e o público está lotando, está bancando, está sendo o nosso Ministério da Cultura.

Mas não estou pessimista porque, num certo sentido, a cultura está muito forte, a imprensa está forte, a Globo não está compartilhando totalmente com ele (Bolsonaro). O próprio Faustão desmentiu, mas falou que ele é um imbecil. A gente quer o combate pela própria arte que a gente faz.

Acredita que a democracia está ameaçada?

Super ameaçada! Mas se você quiser entregar um ministério da Cultura a esses fascistas, vai ser um horror. Eles vão ter, aliás, uma secretaria de Cultura para substituir o ministério. Talvez até mantenham a Lei Rouanet. Mas eu acho que a atual situação está fascista mesmo, péssima. Quem não votou nele, que não foram só os que votaram no Haddad, mas também quem votou em branco, nulo, todo esse povo está insatisfeito. Mesmo as pessoas que votaram nele, talvez, estão vendo as loucuras que ele está fazendo. Está a maior confusão, esse governo.

O ministro das Relações Exteriores está em luta com o (Paulo) Guedes, que é o cara mais objetivo, na economia, porque com essa coisa de embaixada em Jerusalém vai fuder com a economia brasileira. Não está dando certo esse governo. A única esperança que eles têm é na economia, o neoliberalismo.

Minha posição é a seguinte: diante do movimento de oposição, dos jornalistas, dos artistas de teatro, de cinema, de música, da grande arte popular brasileira, tudo isso dá uma força enorme agora, porque a maioria do povo brasileiro, inclusive talvez os que votaram nele, agora estão vendo o que acontece.

O que é pior para a cultura, o regime militar ou agora? 

Muito pior agora! Fui até torturado no regime militar, mas agora é muito pior. A cultura estava ótima, inclusive. Foi no período militar que surgiu a Tropicália, Rei da Vela, Terra em Transe, Hélio Oiticica, Caetano. A gente conseguiu trabalhar até um determinado momento, depois foi ficando pior, depois do AI-5. Mas a gente conseguiu trabalhar até fazer As Três Irmãs (1972), nosso último espetáculo. Depois a pressão era muito forte, não tinha mais condições de fazer. Mas a cultura não fica fraca nesses momentos. Ela fica forte, mas sem o patrocínio do governo.

E a Cultura hoje?

A cultura está ótima agora. Os teatros estão cheios, estão fazendo filmes ótimos, músicas ótimas, os artistas fazendo memes na internet, ridicularizando. O que a gente tem que fazer é ridicularizar ao máximo.

Seria como no poema de Carlos Drummond, “e o humor”?

Muito humor, cara! O festival de besteira do Stanislaw Ponte Preta. É um absurdo esse governo, não tem pé nem cabeça. O estadual também. Aqui em São Paulo nem sei ainda, mas no Rio de Janeiro aquele cara (Wilson Witzel) está fazendo loucura, a própria Globo está contra ele. O cara quer matar as pessoas. Hoje eu vi na própria Globo que o cara enlouqueceu.

Nesse contexto o que você espera para o futuro da nova geração? 

A nova geração não vai embarcar muito nessa, não. Uma parte embarca, mas outra não, se a gente continuar trabalhando na cultura, fazendo o que estamos fazendo, de uma maneira mais satírica, mais paródica, como é o caso de Rei da Vela, de Roda Viva, no meu caso. Mas no caso de outras peças em cartaz, tá todo mundo mandando o pau, a não ser os grupos que são alienados mesmo. Mas a cultura está muito forte.

O que acha do fato de o povo ter elegido esse governo? 

O povo não elegeu esse governo, porque além do Haddad ter tido 47 milhões de votos, somando tudo, com os votos brancos e nulos, é muito maior do que os votos no Bolsonaro. O povo elegeu porque foi feita uma campanha de WhatSapp. Além da esquerda, tem muita gente que nem é de esquerda que já tá curtindo na cara desse governo. Não é só esquerda. A esquerda não está sozinha. Acho que nesse momento a gente tem que continuar criando, provocando.

E o teatro é muito importante, porque é uma aglutinação de pessoas juntas, então passa a ter uma força muito grande nesses momentos de crise. Tem muitos teatros com coisas muito boas, cheios. Tem os que ficam ali fazendo teatrão, mas a maior parte dos melhores teatros está em combate, como o cinema também, as artes plásticas, a literatura, a música. É um momento forte no Brasil. Se você assistir Roda Viva você vai ficar pasmo.

Não tem pé nem cabeça, esse governo. Não é um governo de direita moderna, mas de direita arcaica. Botar a embaixada em Jerusalém, esse alinhamento com Trump, que está para ter um impeachment. É um governo imbecil, desde o primeiro momento, até a posse, antes da posse, tudo. Eles estão fazendo uma coisa totalmente fora de época, essa coisa de globalismo marxista. Não têm a menor ideia do que é Marx. É ignorância sobre o que é globalização, que é uma coisa do capitalismo. E aquele cara então, Olavo de Carvalho? Não é filósofo nem aqui nem em lugar nenhum. Ele diz palavrão de uma maneira tão nojenta. Ele xinga como se fosse uma criança analfabeta. Xinga grandes artistas, como xingou o Caetano, xinga todo mundo.

Estão dizendo agora até que a Terra é plana. Estão negando Galileu Galilei. Estão negando que a Terra é redonda. Os astronautas viram a Terra redonda. Então, é um regime que eu tenho a impressão de que não vai muito adiante, não. Ele é totalmente irracional, além de ser fascista, mas é um fascismo totalmente ignorante – acho que todo fascismo deve ser assim, não sei. Não tem fundamentação científica, filosófica, nada. É inacreditável. Eu não acredito no que eu tô vendo. É surreal. É um governo totalmente ideológico, abstrato – eu não tenho ideologia, acredito no aqui e agora. É um governo messiânico, acredita em messias. É um retrógrado que vai para a Idade Média. É uma coisa anticientífica, antitudo.

Eu digo menos pelas palavras e mais pela encenação. Tudo o que eu tenho a dizer está na encenação de Roda Viva.

Serviço

Roda Viva
Teatro Oficina, Rua Jaceguai, 520, tel. (11) 3106-2818
Horários: sexta e sábado às 20h e domingo às 19h. Ingressos: de R$15 a R$ 60. Duração: 3h30. Classificação: 18 anos. Temporada: até 10 de fevereiro de 2019.


por Eduardo Maretti | Texto em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV (RBA) / Tornado


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